Aos que se foram
Aos que se foram
Você passa um bom tempo da sua vida devotando carinho e atenção à pessoas que de algum modo parecem nem sentir que você existe. É só aparecer um motivo relativamente significante para elas te largarem de lado, e esquecerem completamente daquelas horas tão lindas em que diziam: Promete nunca me esquecer? Você é o meu melhor amigo, Você é um amigão sabia? . É tudo tão bom e tão lindo quando elas falam assim, a gente até acredita.Mas chega a ser mais surpreendente quando elas esquecem rapidinho de tudo isso, e não precisa ficar longe. No dia a dia mesmo, basta você ligar pra elas todo animado e o que você escuta é um: Ah é você... Tão desanimado que até defunto tem dó. Oi tudo bem? Sou eu aquele seu suposto melhor amigo, um pouco de animação ao me ver seria significante, não acha?. Ou então basta você num daqueles dias em que se sente tão triste e ta precisando tanto conversar ligar pra uma delas e pedir pra elas virem até a sua casa, pra ver se a presença delas te alivia um pouco o cansaço, e sabe o que você escuta? Ah ta chovendo, ou então um: Ah to com tanta preguiça, depois a gente conversa ta? . Como assim? Outro dia não foi você quem largou tudo e saiu correndo pra ir lá desesperadamente porque te falaram que queriam te contar algo? . Até onde isso pode se chamar de amizade ou de qualquer tipo de relacionamento? Isso me parece uma servidão.Mas uma hora, mesmo que um pouco tarde, você acorda. Por um motivo pequeno ou talvez grande você cai na real. Você percebe quanto tempo perdeu com pessoas que só te deixavam pra trás em todos os sentidos. Egoístas na verdade. Porque o mundo gira ao meu redor, porque você é um amigão viu, mas olha, sempre que eu precisar você vai estar lá pra me apoiar viu, mas quando você precisar não sei se vou poder ajudar. Pra merda todos vocês. Eu passei um bom tempo acreditando nas suas bobagens sem pé nem cabeça, ouvindo e inspirando os sonhos de vocês, e sabe o que eu ganhei com isso? Um pé na bunda bem grandão. Mas tenho que admitir que vocês são mesmo geniais em uma coisa, vocês sabem como nos fazer sentir culpados, é incrível como tudo foi nós ( pessoas verdadeiras e que sabem o que é amar alguém incondicionalmente ) que interpretamos errado. É só a gente tocar numa falha de vocês que aí logo vocês nos olham bem calmamente como se fossem donos de toda a certeza do mundo e com a cara mais lavada do mundo dizem: Eu acho que não, você simplesmente entendeu errado, em nenhum momento eu deixei de gostar de você ou lhe abandonei. Ah não? E se de repente eu começasse a agir como vocês agiam comigo? Aí a gente ia ver quem tinha interpretado errado.E a gente vem arrastando vocês pela vida, agüentando seus desabafos, suas tristezas, apoiando sempre que precisam, até o momento em que percebemos que quem está morrendo nessa relação em que não há troca, só doação, somos nós mesmos. Pena nós só percebemos isso quando vocês fazem uma coisa realmente grande, que parece arrancar um pedaço do coração, aí a decepção é tão grande, e dói tanto, tenho certeza que vocês nunca sentiram isso, mas não se preocupem o dia vai chegar, ou nunca ouviram dizer que tudo o que vai volta?E a gente fica ali, jogado num canto qualquer, chorando horas e horas, dias e dias de tristeza, cheios de problemas e confusões, loucos pra desabafar com alguém, mas não temos ninguém, porque tudo o que nós conhecíamos agora parece tão morto, frio e gélido como um defunto em putrefação. Mas é sempre muito difícil pra gente se convencer de que vocês realmente morreram sabia? A gente insiste em cutucar o defunto quando a saudade aperta, ele ta quase parando de feder, mas aí a gente ainda acreditando haver uma vida após a morte voltamos todos felizes e declaramos toda nossa saudade, nos lançamos na cova com vocês e agarramos o caixão novamente como se vocês fossem nossa vida, acreditamos que de uma certa forma vocês mudaram, as pessoas mudam, mas pena que defuntos não mudam pra melhor, eles mudam mas é sempre pra ficar mais podre. E é aí que a coisa fica pior ainda pro nosso lado, o lado dos vivos, porque nós voltamos lá e abrimos o caixão, não sabendo que isso só faz vocês se sentirem mais certos de que nós havíamos interpretado errado, mas nós estávamos pensando com o coração. Nós abrimos o caixão e a coisa fede mais ainda, é como se fosse uma segunda morte daqueles que já tinham morrido faz tempo, só nós não queríamos enxergar. E outra vez nós ficamos com cara de bobos com a falta de vida de vocês, nos flagelamos por um tempo ainda, pensamos nos defuntos, olhamos as fotos de vocês, mas a coisa já ta ficando mais clara na nossa mente é como se a morte de vocês fosse chegando aos poucos na nossa realidade.Até o dia em que resolvemos nos livrar dessa sombra que nos deixa tão mal, nos arrumamos, nos olhamos no espelho, ligamos o som, e sabe? A gente se sente bonito de novo, renovado, sem o cheiro de morte que rodeava nossas vidas. Encontramos outros vivos, nossa que nem nós, e isso sim é bom, meu Deus como é bom, eles nos escutam sabe? Escutar, aquilo que os mortos não podem fazer. Então... Eles fazem isso muito bem, nossa e eles também têm tantas afinidades com a gente, eles dão risadas das nossas piadas sem graça, eles gostam da gente de verdade sabia? E isso é tão bom, tão bom. E os pedacinhos da nossa alma vão voltando novamente pro lugar, agora bem melhor do que antes, porque agora nós aprendemos com as mortes anteriores.Então nós voltamos pra casa e finalmente percebemos que é hora do velório, que de fato vocês morreram. E no velório de vocês ao invés de choro tem é muito riso, muita gargalhada, tem gente no chão jogando o jogo da vida. E nós fazemos questão de sentar em cima dos caixões pra jogar conversa fora. Tem gente preparando a casa para o verão, tem gente se aprontando pra uma festa.Nós vamos ao cemitério e empurramos de vez e de qualquer jeito aqueles corpos podres e fedorentos em uma cova funda pra que não fique nada de fora, e fazemos toda a questão de jogarmos o primeiro punhado de terra, na verdade agente joga uma pá de terra bem grande. No meu caso agente até se joga no chão, e vai enterrando com as mãos mesmo, pra poder sentir a terra engolir vocês bem devagarzinho. E é bem nessa hora que começa a chover, a terra vai virando lama, e a água vai molhando nosso corpo e lavando nossa alma, todos os sentimentos, as decepções que vocês nos fizeram sentir, a dependência, a consideração nunca retribuída, as noites se lastimando tentando encontrar onde nós havíamos errado, o amor, principalmente o amor que um dia sentimos por vocês, vai tudo pra cova também. E não precisa nem de lápide, nós não voltaremos ao cemitério. É a nossa emancipação.E depois de vocês mortos e enterrados, nós vivos, ficamos assim como eu to agora, escrevendo esse texto e morrendo de rir. Sem saudades, sem remorsos, com a consciência limpa, ciente do trabalho bem feito. Nós não queremos que vocês tenham ido para o inferno, queremos até que estejam sempre em um lugar melhor, mas que estejam bem longe de nós. E se por acaso quiserem voltar pra tentar nos assombrar, nós não temos medo de assombração, agente exorciza. Bye, Bye, é preciso saber a hora de dizer adeus.
“Nunca um enterro deu tanta satisfação”
Walter Filho
“Nunca um enterro deu tanta satisfação”
Walter Filho
Comentários
Postar um comentário