Despertar

“Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis.”
(Caio Fernando Abreu)

Cresci acreditando que de alguma forma uma hora alguém iria me compreender e ver em mim a pessoa legal que eu sei que sou, e então eu deixaria de ser sozinho. Cresci sozinho olhando ao redor pra ver se encontrava um olhar amigo, uma compreensão que não fosse apenas superficial, companheirismo e cumplicidade. Mas depois percebi que quanto mais procurava mais me machucava, quanto mais acreditava nas pessoas mais desacreditava em mim no final. E assim aprendi a ser sozinho, fazendo minhas coisas só, engolindo minha vergonha de mim, fingindo que não me importava com olhares tortos, me fazendo de surdo pra comentários idiotas. E fui vivendo, guardando sonhos e alterando realidades que queria tanto pra mim. Fui aprendendo a lidar comigo da melhor forma que podia, me exigindo muito por causa dos outros e sempre querendo ser o que às vezes nem poderia só pra ver se conseguia ser aceito. Hoje percebo que as coisas não mudaram muito, só aprendi a ser mais forte. Talvez tenha parado de chorar mais, talvez não. Talvez a esperança de ser aceito tenha diminuído também. Continuo me sentindo sozinho da mesma forma que me sentia quando tinha treze anos, olhando pra algum lugar e imaginando lugares e pessoas que eu poderia conhecer, que me achariam legal, um universo onde eu seria convidado pra todas as festas, onde meus sábados seriam preenchidos com compromissos e meu telefone não pararia de tocar. Telefonemas me convidando pra estar, sempre estar, e quando eu saísse minha falta seria sentida como alguém que sumiu e a festa morgou. Mas enquanto espero o dia em que serei melhor do que sou hoje continuo me sentindo sozinho aos sábados à noite, vasculhando no MSN alguém que queira me dar um pouco de atenção. Enquanto isso o coração dói quando alguém fala despretensiosamente que vai sair com um amigo hoje. Aí eu tento me enganar indo pra os lugares de sempre com a amiga de sempre que também já não suporta mais minha presença por excesso de presença, por pura carência dos dois. E nesses anos todos em que venho arrastando essa solidão o que mudou foi minha percepção em relação a tudo isso. Carência não é pecado, mas tentar sair dela parece ser, porque sempre que você tenta preencher um vazio outro maior ainda surge, porque tudo foi premeditado por você que tava sozinho naquele dia e quis conversar, e ligou, e marcou, e saiu, e depois voltou pra casa enjoado e cansado de alguém tão desinteressante quanto seu tédio emocional. Nesses anos todos aprendi a falar comigo mesmo, me calei pros outros. Já que não tinha quem me ouvisse eu escrevia pra ler depois e assim eu mesmo me entender. Precisava de alguém que me escutasse, na falta, eu mesmo fazia isso. Cansei de me sentir bobo por não ser igual. E hoje vou seguindo, despertando pra esse novo momento que me chama todo dia pra ser alguém melhor do que sou, acompanhado, sozinho, aprendendo a me amar antes de querer me dividir com alguém. Encontrar em mim minha razão de viver, ver que sou o melhor que poderia ser, principalmente quando olho pra trás e vejo tudo que deixei de lado pra poder evoluir. Aprender a mudar a mente é complicado quando se já se apegou tanto a uma forma de pensar, quando já se escutou tantas mentiras sobre você que aprendeu a encará-las como verdades. Muita gente não entende quando fazemos algo errado ou simples atitudes, mas meus passos hoje de alguma forma ainda refletem o que passei em algum momento da minha vida, embora só eu saiba o quanto mudei. Mas eu sei que a vida não é feita do que a gente imagina ou sonha, não é feita quando to deitado na cama imaginando estar melhor do que estou. A vida é feita do que a gente faz, do que a gente vive, e por isso resolvi mudar muita coisa, não quero mais deitar na cama e sonhar, quero pensar no hoje, no final de semana maravilhoso que tive, nas pessoas que tenho ao lado e que me fazem tão feliz. Quero mais do mundo e doar mais de mim, ser livre por fora assim como sou por dentro. Em passos lentos vou aprendendo a lidar com minha herança emocional e a deixá-la de lado, pra poder seguir em frente sem ter que ter os olhos fechados por medo de acordar. 

“E ainda estou confuso. Só que agora é diferente: estou tão tranquilo e tão contente.” (Renato Russo)

Comentários

  1. Metamorfose.

    Acho que essa palavra se encaixa a essa mudança. Quando você deixa de esperar que a mudança bata a sua porta, você vai em busca dela. Amar-se primeiro é um objetivo importante. Quando compreendido e aplicado, o restante torna-se mais fácil.

    A vida não é mesmo do jeito que imaginamos. Se fosse assim, seria uma maravilha. Nada cai do céu, tudo é conquistado.

    O que importa, é o que eu sinto. O que você sente. O resto não importa.

    ResponderExcluir
  2. Seria bom se as coisas fossem como imaginamos, hoje mesmo pensava nisso, às vezes a gente espera que as pessoas percebam algo que nos traga alegria, mas quando não acontece a gente se entristece e tem que andar só e nossa caminhada segue em frente.

    ResponderExcluir
  3. Que texto sentido esse, sentido mas maduro. Não é um lamento, é uma constatação acompanhada de uma decisão, dobradinha tão desejada quanto rara.

    Gosto sempre do que leio aqui.

    Um beijo.

    ResponderExcluir
  4. E de tanto sentimento. Doeu cada letra.

    Adorei

    ResponderExcluir
  5. amigo saudades.. mesmo atrasada, sempre visito os amigos.. nossa adorei teu texto, me identifiquei com cada palavra, cada momento e cada situação que vc relatou.. infelizmente agente só pode contar com sigo para mudar as coisas.. pelo teu relato, acho q estou um passo atrás do teu aprendizado, mas estou trabalhando para mudar minha visão de tudo.. bjos mil, apareça qdo der..

    ResponderExcluir
  6. Começei a ler despretensiosamente. e me obriguei a comentar só pra dizer que mesmo sem conhecê-lo vejo em vc muito talento e brilho. Que seus desabafos sejam só desabafos, sem duvidar do grande potencial que vc tem e da beleza de um futuro que lhe espera. Beijos!

    ResponderExcluir
  7. em cada palavra do seu texto, eu estou. se somos iguais, não sei, talvez porque a gente encara a solidão com os mesmos olhos e reage da mesma maneira. que bom compartilhar do mesmo sentimento de alguém, que pena que o sentimento seja a solidão.

    ResponderExcluir
  8. Nussa, vc é mega profundo nos seus textos.
    ADOREI voltar aqui.
    Parabéns!

    (aliás, não te tenho no meu msn)

    ResponderExcluir

Postar um comentário