Entusiasmo pra nada

Duas e dez da manhã e chegou àquela hora em que é preciso escrever pras coisas não ficarem mais loucas do que aparentam ser. Escrever pra eu não morrer de mim. Por que faz tempo que a preguiça de existir me toma todo o tempo do mundo. São duas e doze agora. Duas e doze e eu escrevendo no escuro sem enxergar as letras do teclado. Descobri algo de bom, consigo escrever certo sem ver as letras. E eu tava com tudo na cabeça agorinha, bem aqui. Tudo pronto pra falar e desabafar o nada que venho sentindo. Mas fugiu tudo. E eu agora nem sei mais o que queria falar. Talvez até saiba. Era justamente sobre esse nada. E falar sobre nada talvez cause mesmo essa confusão, você ta com ele ali na mente e de repente o nada vira nada e tudo some. Deve ser físico, deve ser cansaço, fadiga. Deve ser, pode ser muita coisa. Mas na verdade é apenas o nada. O nada que me faz levantar de manhã sentar no vaso e já pensar no tédio que vai ser o dia porque nada acontece de fato. Por que eu reclamo pra sempre e sem parar. Porque eu devo ser mesmo um chato sem pé nem cabeça. Alguém que começa e nunca termina. Vontade de largar tudo e sair correndo dessa vida. Desses compromissos, dessa sanidade. Vontade de ser ninguém. De dormir, apenas dormir. Odeio minha melancolia e essa depressão de merda que fica pra sempre quando a gente acha que ta curado. Odeio meu falso entusiasmo pelas coisas. Odeio quando me propõem algo e eu acato como se aquilo fosse tudo pra mim, quando na verdade minha consciência grita que amanhã de manhã quando eu levantar aquilo vai ter perdido a graça numa escala gritante de desinteresse. E eu vou protelar e não vou me interessar e vou deixando de lado devagarzinho. Coisas que gente assim como eu faz. Falta paixão, paixão pra tudo. E quando falta paixão o tudo que se têm é apenas um nada. E de novo o nada que come a gente por dentro e dá vontade de dormir pra sempre. De morrer. Aí esqueço todas as responsabilidades e viro de novo adolescente com quinze anos. Que sabe das responsabilidades que tem, mas ignora todas elas porque é melhor fugir. E fico acordado até duas e vinte e duas da manhã mesmo sabendo que tenho aula cedo e que estou pendurado para ser reprovado por faltas. Mas como nada importa a não ser o que sinto agora, que danem-se as faltas, é sempre assim, nada importa. Que reprove. Eu não me importo, mas tem quem se importe por mim, e vão discutir e vão falar merda se eu fracassar nesse sentido. Grande fracasso ser reprovado numa disciplina. “Porque eu nunca vi uma pessoa mais sem entusiasmo do que Walter”. To começando a concordar com isso.