Incongruência
É como carregar a saudade nas
costas, saudade de um lugar que você nunca esteve, das vozes e risadas de
pessoas que nunca conheceu. É uma respiração mais funda tentando sugar do ar um
pouco do que a vida ainda pode te dar pra te fazer sentir vivo. Talvez você não
entenda do que eu estou falando, talvez nunca tenha sentido essas coisas,
talvez esses pensamentos nunca tenham passado pela sua mente, talvez você
sempre se considerou alguém de muita sorte, bem localizado na vida que se tem,
satisfeito e preenchido por tudo o que o cerca. Mas existem pessoas que nascem
inquietas, gente que como eu nasceram com uma deformação na alma que as impedem
de serem elas mesmas sem causar algum incômodo em torno. E o pior de tudo é o
incômodo que causamos a nós mesmos. Esse não sentimento que mexe com a gente
sempre que as coisas se aquietam é de matar, porque é do movimento da vida que
a gente gosta, é como se tudo por enquanto parar, a vida da gente parasse
também, e daí você acha que já não ta valendo de nada, que você precisa fazer,
correr, antes que o tempo passe e você acorde numa cadeira na varanda de casa
com setenta anos de idade se perguntando o quê fez da vida enquanto tinha seus
vinte e poucos. E o que fazer com toda essa vontade que a gente traz guardada?
De duas uma, ou você tenta engolir, se acalmar, escutar música, ver TV, ler um
livro e fingir que ela não ta ali, mesmo que isso fique te martelando por
dentro do peito, e a outra é ir se jogar na vida de outro alguém pra poder
encontrar algum sentido na sua. Nossa, que triste, tentar encontrar sentido na
própria vida usando a vida de outra pessoa. Mas quem foi que disse que viver
não é triste? E quem foi que disse que viver não é sugar um pouco da vida de
cada um que nos cerca? Porque você acha que as pessoas enlouquecem? Porque elas
estão sempre sugando ou sendo sugadas por alguém. E por falar em enlouquecer,
acho que esse texto é o ápice da minha insanidade de hoje, porque todo dia é
bom ser um pouquinho louco, só pra tentar enganar a vida e deixar ela louca
antes de nos enlouquecer. Mas vamos lá,
vamos nos jogar na vida de alguém, incomodar um pouco, causar um pouquinho de
alvoroço na vida alheia e tumultuar a nossa, porque assim fazemos um favor ao
mundo, respeitando a vida, tanto a nossa quanto a do outro. Vou ali pegar o
telefone e ligar, e vou marcar, e vou, e vou me envolver na vida de outra
pessoa só pra depois voltar pra casa me sentindo pior do que quando saí, mas
pelo menos me sentindo cumprindo o propósito a que me propuseram quando nasci:
viver. Mas você não pode pensar muito, tem que deixar rolar. O cansaço do mundo
e o marasmo bateram, você tem que ir lá e pá, fazer. Se for pensar muito você
entra naquela vibe de responsabilidade e sanidade, de ser certinho, e acaba não
fazendo nada. Ás vezes viver tem que ser quem nem escrevo esse texto agora,
tudo de uma vez, numa velocidade só, uma tempestade de pensamentos soltos que
vão tomando forma conforme as coisas vão acontecendo. Por mais sozinho que me
sinta em alguns momentos, sei que alguém também se sente assim, talvez você,
que está lendo esse texto agora compartilhe dos mesmos sentimentos que eu,
talvez entenda quando falo em solidão quando se está perto de todos que te
amam, que não é uma solidão por falta das conversas ou muito menos de alguém
que te abrace a noite na cama, é aquela solidão maior, aquela que te invade no
meio do ônibus lotado num final de tarde de uma segunda-feira, aquela que te dá
vontade de chorar quando uma música, a conversa de dois colegas, ou o perfume
de um desconhecido te lembram um amigo ou uma amiga que estão bem ali a poucos
metros de você, mas que não se mostram disponíveis no momento. E aí você acha
que é louco, porque você ta sempre precisando ta em movimento, sempre
precisando se envolver e encontrar algum sentido com os outros, porque só você
sabe o que é não se sentir confortável dentro de si mesmo. Isso só pode ser
alguma síndrome de quem demorou pra começar a viver, coisa de quem tem um delay
na vida. Daí fica assim feito louco incomodado com esse espaço em que nada
acontece. Ler um livro é tempo demais perdido pra quem prefere sair e ler
pessoas, ver TV é desgastante e triste se você para pra pensar que está vendo a
vida dos outros através daquela tela ao invés de ta vivendo a sua. E é sempre
assim, tudo é pouco, tudo é pequeno e medíocre quando se tem pressa pra se
viver. Toda essa confusão de nada que habita dentro da gente ás vezes pode
assustar, como por vezes me sinto, mas ao mesmo tempo é o que acaba sendo o
motor pra movermos um pouco disso que a gente chama de vida, dessa merdinha de
vida onde você levanta todo dia às seis da manhã pra trabalhar, lava o rosto na
pia do banheiro, escova os dentes e jura que ta vivo só por isso.
“Que eu nunca me sinta completo.
Que eu nunca me sinta satisfeito.
Que eu nunca seja perfeito.
...Me salve...De ser completo e
perfeito.” (Fight Club)
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