Dias de analgésico
Aquela sensação de dormência de novo. Aquele quase pairar sobre tudo. Quando a gente se droga de comprimido para dor de cabeça e tudo parece passar junto com ela, inclusive tudo o que você sente sobre a vida. Nada pode te atingir quando você está sob o apaziguador efeito de um bom antialérgico ou um analgésico. E eu queria permanecer assim para sempre. Pairando sobre toda a merda do mundo, olhando de cima, sem sofrer, nem me envolver. Nos dias de analgésico é assim que me sinto. Primeiro a dor de cabeça fortíssima que só me dá vontade de sumir, dormir e desaparecer no mundo dos meus sonhos. Horas depois, desperto enquanto todos estão dormindo. Acordo sem dor. A boca meio amarga do efeito do remédio, o corpo relaxado. Minha mente nem aqui, nem lá. Sentindo as coisas diferentes. Ás vezes penso que nesses momentos é quando vejo tudo como realmente é. A natureza crua das coisas, inclusive, de mim mesmo. O eu que eu tomo todos os dias para anestesiar a dor que é olhar minhas verdades. Algum tempo depois e o corpo vai se acostumando, se habituando ao que deveria ser o estado natural das coisas, ou seja, vou deixando de ficar legal. De ficar como gosto. Anestesiado dentro de mim para voltar a ser esperto e atento, forte e sagaz. Isso cansa. A vida nesse mundo exige demais da gente. Anestésico para entorpecer a dor. Uma boa playlist de rock na madrugada, uma tela de computador azulada, uma página de arquivo em branco, meus dedos no teclado e essas palavras se formando na tela. Meu analgésico favorito. Agora, nada pode me atingir.