Deadline

Ainda dá tempo? Com sorte ainda dá tempo de adiar mais um pouco e correr pra longe disso. Disso o quê? Disso, ué. Disso que eu preciso fazer, mas tenho medo e escondo o medo até de mim mesmo. Com sorte ainda dá tempo. Tempo de fingir que não tenho tempo. Tempo de negar o tempo que tenho pra fazer. Acho que dá tempo sim, e como eu tenho sorte, muita sorte, vou conseguir empurrar até o último minuto e entregar no último segundo do prazo final, assim como eu fazia com todos os trabalhos na escola e na faculdade, porque eu sempre confiei muito no meu taco. 

Qual taco? O taco de escrever bem. A facilidade de conseguir expressar rápido e com clareza as coisas. Os professores gostavam, era dez, sempre. E eu seguia me achando. Dizia pra todo mundo: mas eu nem estudei! Só dei uma lida rápida no ônibus vindo pra cá. Era isso, eu era bom. Eu sou bom. Bom nisso aqui e naquilo lá também. 

Mas é naquilo lá que eu me perco, paraliso. Porque tenho medo do que o medo tem a me dizer. Das verdades que eu escondo e me afasto quando todo mundo me cerca e diz “você deveria mostrar isso” , “você deveria postar mais”, “posta isso”, “o mundo precisa ver isso”. E as frases vão se aglomerando e ficando grandes e me diminuindo e eu pequeno cercado pelos achismos dos outros que só querem me ver bem. E a consciência… A consciência de saber-se alguma coisa traz o peso de fazer algo com esse alguma coisa, algo grande e bom o suficiente. E pra ser bom o suficiente eu preciso estar à altura, o mundo precisa estar à altura, os planetas precisam estar alinhados, meus chakras precisam estar limpos e igualmente alinhados, minha mente precisa estar límpida, plena e consciente, o ambiente, o mundo, as guerras, tudo precisa estar perfeito pra eu começar. 

Você sabe que nada nunca vai tá perfeito, né? Sei, sim. Por isso resolvi começar agora. Não quero esperar a sineta da aula tocar pra eu poder perceber que poderia ter feito um trabalho bem melhor por não ter começado quando deveria. Hoje.