Insatisfação crônica





Quando eu era criança, costumava, todos os dias, ir dormir chorando. Isso se prolongou até a adolescência. Chorava por uma angústia sem nome, velha conhecida minha.

Naquela época, havia um desconforto imenso em ser eu mesmo. Uma vontade absurda de me livrar de tudo o que representava ser quem eu era, inclusive, do meu corpo.

Com o passar do tempo, e das dores, fui crescendo como indivíduo, me reconhecendo e sendo forçado a encontrar em mim uma fortaleza que eu nem sabia que existia. Fui percebendo que tinha que mudar meu diálogo interno para poder conseguir realizar as coisas que eu queria. E eu consegui.

Consegui fazer bons amigos, consegui me libertar das crenças familiares e, há muito pouco tempo, consegui encontrar graça nas coisas que eu crio e valor na pessoa que eu sou.

Mas nas últimas semanas, uma crise de saúde mental tomou conta de mim e de repente todo o percurso de autocuidado e autoconhecimento que trilhei durante anos pareceu se desfazer.

De repente, meus desenhos já não eram mais tão bons assim, meus textos eram vazios, meus vídeos mal feitos, o conteúdo que eu produzo é sem valor algum e ninguém se importa com o que o eu crio. Voltei no tempo para o Walter de quinze anos.

Por alguns dias, até duvidei se realmente vou conseguir realizar meus sonhos. Duvidei da minha capacidade de fazer qualquer coisa, inclusive, a de expressar o que sinto, assim, escrevendo.

E a questão não são esses pensamentos, ou o porquê penso isso tudo de mim. Porque eu sei que tudo isso é mentira. Eu sei que é apenas sensação. A sensação de sufocamento e a urgência desmedida que a ansiedade traz, fazendo com que a gente se culpe por tudo e meça o nosso valor com a régua dos outros.

A questão aqui é como é fácil voltar para os padrões que te dominaram por anos, só porque você não consegue se sentir satisfeito com nada do que você conquistou. É quando você invalida todas as transformações pelas quais já passou só porque não tem os números do sucesso na sua aba de seguidores do instagram, ou porque não consegue produzir tanto conteúdo quanto dizem ser o suficiente para alimentar o algoritmo.

Eu tenho medo de nunca parar de reclamar e inchar de rancor por mim mesmo, feito gente que não conseguiu ser o que queria por falta de coragem de se exercer. Tenho medo de morrer de inveja dos que fazem as coisas, enquanto eu critico de longe. Medo de não concretizar meus projetos por nunca estar satisfeito com nada do que eu crio porque nunca estou satisfeito comigo.

A insatisfação sai pela boca, se transforma em maldizer, cresce, vira crítica sem sentido e te consome até você virar um chato, rabugento, apático, que não consegue ver graça em nada, porque não consegue ver graça em si mesmo.

Minha insatisfação com as coisas, reflete o quão insatisfeito sou comigo mesmo. Uma autoestima falha e um amor próprio em falta.

Ontem, mesmo depois de tantos anos, fui dormir chorando novamente, e o meu eu de quinze anos estava lá, deitado ao meu lado. Por sorte, olhar para ele me fez lembrar do tanto de coisa que já precisei deixar para trás, mas também que, antes disso, precisei aceitar cada uma delas.

Me achar suficiente, do tamanho que sou, do jeito que sou, com as coisas que tenho e as que não tenho, com o jeito que desenho, escrevo, falo e me expresso, é o primeiro passo para a aceitação. E aceitação é o antídoto para a insatisfação.

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