Sobre motivações e perdas
Sobre motivações e perdas
Sonhei que estava cortando papel com uma tesoura enorme e prateada, eu estava irritado e fiz um corte com força. Quando menos esperei a ponta do meu dedo mindinho esquerdo caiu no chão, saiu sangue, mas só um pouco, foi tão rápido que nem deu tempo de sentir dor.
Me desesperei, entrei no carro com meu pai e mais duas pessoas que aparentemente nunca vi na vida, uma mulher e um homem. A mulher era uma jovem enfermeira, o homem não tinha profissão definida (coisa de sonhos). Quando estávamos perto do hospital a mulher pediu para ver meu dedo, eu mostrei.
- É... Vamos ter que cortar um pouco mais embaixo.
Como assim um pouco mais embaixo? Não basta o fato de eu ter perdido a ponta do dedo com unha e tudo, ela ainda quer cortar mais!
A primeira preocupação não foi em como eu iria me virar sem o dedo, mas sim na feiúra que minha mão e eu íamos ficar sem ele. Me desesperei ao imaginar apertando a mão de alguém com um toquinho no lugar do dedo mindinho.
Não pensei numa infecção, não pensei na tesoura ter alguma bactéria e ela já ter tomado conta do meu braço e de repente tê-lo que perder também. Pensei no lado estético da coisa. Que tipo de pessoa sou eu?!
E quem perdeu uma mão num acidente grave? Como deve se sentir ainda estando vivo mesmo sem uma mão para cumprimentar?
E quem perdeu uma perna por causa da diabetes? Quem perdeu todo o cabelo na quimioterapia ou viu todas as lembranças de uma vida sendo arrastadas pela correnteza de uma enchente? O que elas pensariam ainda estando vivas?
Com certeza não seria na ausência da beleza. Apenas levantariam as mãos para o céu e agradeceriam por estarem vivas.
E se fosse eu quem tivesse perdido tudo? Será que eu iria fazer questão de uma roupa nova no natal? Será que eu iria mesmo não querer tanto ficar em casa na virada do ano? Quais seriam minhas motivações? Quais seriam suas motivações?
Sei que são perspectivas diferentes, por melhor que possamos estar queremos sempre mais. O que não é pecado. Mas será que o que queremos vai fazer tanta diferença assim? Será que vale mesmo a pena brigar e xingar todo mundo porque não vai ter festa de natal?
Que em dois mil e nove possamos querer bem menos. Vamos parar de querer uma felicidade cem por cento numa casa de dez quartos, com uma festa de réveillon no iate da família em Fernando de Noronha. Dá pra ser cem por cento feliz morando num apartamentozinho esquecido em um prédio de três andares pintado de salmão num bairro da periferia. Dá pra reunir os seus únicos três amigos, mas os melhores que tem, na sala apertada do apartamentozinho, comer panetone com suco de uva, assistir ao show da virada, e ainda assim não querer estar em outro lugar na face da terra.
“Abençoe oh Deus menino... esse nosso coração”
Walter Filho
Sonhei que estava cortando papel com uma tesoura enorme e prateada, eu estava irritado e fiz um corte com força. Quando menos esperei a ponta do meu dedo mindinho esquerdo caiu no chão, saiu sangue, mas só um pouco, foi tão rápido que nem deu tempo de sentir dor.
Me desesperei, entrei no carro com meu pai e mais duas pessoas que aparentemente nunca vi na vida, uma mulher e um homem. A mulher era uma jovem enfermeira, o homem não tinha profissão definida (coisa de sonhos). Quando estávamos perto do hospital a mulher pediu para ver meu dedo, eu mostrei.
- É... Vamos ter que cortar um pouco mais embaixo.
Como assim um pouco mais embaixo? Não basta o fato de eu ter perdido a ponta do dedo com unha e tudo, ela ainda quer cortar mais!
A primeira preocupação não foi em como eu iria me virar sem o dedo, mas sim na feiúra que minha mão e eu íamos ficar sem ele. Me desesperei ao imaginar apertando a mão de alguém com um toquinho no lugar do dedo mindinho.
Não pensei numa infecção, não pensei na tesoura ter alguma bactéria e ela já ter tomado conta do meu braço e de repente tê-lo que perder também. Pensei no lado estético da coisa. Que tipo de pessoa sou eu?!
E quem perdeu uma mão num acidente grave? Como deve se sentir ainda estando vivo mesmo sem uma mão para cumprimentar?
E quem perdeu uma perna por causa da diabetes? Quem perdeu todo o cabelo na quimioterapia ou viu todas as lembranças de uma vida sendo arrastadas pela correnteza de uma enchente? O que elas pensariam ainda estando vivas?
Com certeza não seria na ausência da beleza. Apenas levantariam as mãos para o céu e agradeceriam por estarem vivas.
E se fosse eu quem tivesse perdido tudo? Será que eu iria fazer questão de uma roupa nova no natal? Será que eu iria mesmo não querer tanto ficar em casa na virada do ano? Quais seriam minhas motivações? Quais seriam suas motivações?
Sei que são perspectivas diferentes, por melhor que possamos estar queremos sempre mais. O que não é pecado. Mas será que o que queremos vai fazer tanta diferença assim? Será que vale mesmo a pena brigar e xingar todo mundo porque não vai ter festa de natal?
Que em dois mil e nove possamos querer bem menos. Vamos parar de querer uma felicidade cem por cento numa casa de dez quartos, com uma festa de réveillon no iate da família em Fernando de Noronha. Dá pra ser cem por cento feliz morando num apartamentozinho esquecido em um prédio de três andares pintado de salmão num bairro da periferia. Dá pra reunir os seus únicos três amigos, mas os melhores que tem, na sala apertada do apartamentozinho, comer panetone com suco de uva, assistir ao show da virada, e ainda assim não querer estar em outro lugar na face da terra.
“Abençoe oh Deus menino... esse nosso coração”
Walter Filho
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