Me encontrei quando procurei você








Acabamos de passar pela virada do ano, e a suposta história que contam sobre você e o seu filho se tornam bem populares nesse período. Pessoas te oferecem coisas, fazem promessas quando na verdade não conseguem se comprometer nem com elas mesmas. Algumas pedem, outras apenas agradecem. Fazem isso para todas as versões conhecíveis da tua manifestação e do teu nome.

E eu que não sou isento da força das tendências populares me peguei pensando em você nos últimos dias, na maneira como me ensinaram e em como tive que encontrar meu próprio jeito de te encontrar sem ter que enlouquecer pela loucura dos outros.

A maioria das pessoas está sempre perguntando onde você está, julgando sua existência por causa de tudo de ruim que existe no mundo. Algumas te procuram mesmo quando não sabem que estão te procurando, tentam te encontrar na fuga de si mesmas. Acreditam que vão te achar em qualquer lugar que o cartão de crédito possa pagar a viagem.

E eu que já escutei tanta gente falar como eu deveria te encontrar e o que eu deveria ser para você gostar de mim, logo eu, tão distante do que eles dizem ser o que você aceita e admite como certo, outro dia te ouvi falar através do canto de um pássaro e nas palavras gentis que me esforço para dizer a mim mesmo quando meu ego tenta me colocar para baixo. É nessas horas que eu sinto você.

Não estou dizendo que tenho plena consciência de quem você é. Eu não tenho plena consciência nem de mim mesmo, querer te entender seria um absurdo sem fim. Um pecado, se eu acreditasse nisso. Tenho para mim que você, a gente não entende, a gente sente. E o sentir vem como resultado do quanto nos abrimos para as experiências que vivemos.

E as minhas experiências me conduzem para o mais profundo de mim, aquele lugar que por tantos anos eu não conseguia acessar, mas que o som da tua voz me acordando no meio das noites me fez conhecer. É lá que você mora.

Senti teu coração bater no pulsar do meu coração e me assustei. Me assustei porque logo eu que nunca fui dado a me amar, ter que te encontrar dentro de mim foi grande demais, desconcertante demais. E chorei, chorei por não saber como ser, o que fazer, como agir. Chorei porque percebi que sei muito pouco de mim, e de ti.

E não muito diferente daqueles que te procuram nas contas bancárias eu também te procurava fora e me escondia de você ao mesmo tempo em que fugia de mim, sem saber que uma parcela da vastidão do universo também habita o buraco escuro que tenho no peito, preenchido de silêncio e mistério.

Mais tarde descobri que eu só precisava ser quem sou e você estaria lá. Foi quando me ajoelhei, diante de mim, olhei para o altar, que é o meu coração. Lavei meus pés e minhas mãos com as minhas lágrimas e os enxuguei com os meus cabelos. E esta religião, que sou eu, me dá mais trabalho do que qualquer ritual de devoção imposto por instituições que queiram doutrinar meus passos baseado no medo daqueles que primeiro as pensaram.

Outro dia, te escutei na voz de uma mãe brigando com o filho. Te vi na fúria de duas pessoas em uma briga de trânsito. Você estava lá. Senti tua presença nos cantos das ruas onde os bêbados se escondem caídos. Você também estava lá. Ouvi o som da tua respiração no farfalhar das árvores e te fiz carinho quando acariciei um filhote de gato perdido na rua.

Hoje eu sei que todas as ruas, as vozes, as brigas, os sinais de trânsito, o feio e o belo, o alto e o baixo, todas as minhas escolhas, tudo o que falo e calo, tudo o que eu decido e evito, me trazem de volta para o lugar mais temido por todo ser humano, o interior da gente. Lá, onde eu encontro o Deus que está sentado dentro de mim.

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