O futuro na tigela de açaí

 



Um dia desses lá estava eu novamente, preso em mais um momento de raiva, lutando contra mim mesmo. Um daqueles dias em que penso que não estou avançando. Dias em que sento em frente ao computador e não consigo escrever nada, criar nada.

E aí meu julgamento me põe no chão e me diz que eu deveria estar fazendo diferente, porque para mim, eu quase sempre estou errado. Queria sempre ter energia para trabalhar. Queria conseguir fazer mil coisas ao mesmo tempo e colocar todas as minhas ideias em ação. Queria ser mais entusiasmado, alegre. Queria tanta coisa.

E aí eu fico ansioso, procurando com urgência algo que eu nem sei o que é. A falsa sensação de que existe um lugar perfeito no futuro, um paraíso, onde meu estado emocional estará estabilizado e tudo ao meu redor acontecendo sem sustos.

Mas minha ilusão me faz esquecer que a vida é um grande susto, o tempo todo. Trinta e cinco anos e eu já deveria ter aprendido que o futuro não garante nada. E eu definitivamente não queria ser o cara pessimista que não enxerga esperança no futuro. Talvez o futuro traga, sim, a oportunidade de uma vida melhor, de existir com mais plenitude. É só que em dias como esse, em que a visão fica turva, é difícil manter a esperança.

E depois de muito me debater tentando me forçar a ser criativo e escrever algo, eu me rendo ao cansaço. Porque já aprendi que não adianta forçar a barra quando a cabeça quer uma coisa, mas a alma precisa de outra. Lembro que na geladeira tem açaí, e tem banana na fruteira. É o que tem para hoje.

Aí me dou um tempo para comer açaí com banana olhando o pôr do sol da janela da cozinha. A luz amarelada batendo nos prédios cria sombras bonitas no chão, invade minha casa, me invade. Eu poderia até dizer que parece a luz de um futuro brilhante, mas eu sou muito pessimista para isso. E o céu está bonito, de um azul limpo que aos poucos vai se misturando ao roxo, ao laranja, ao rosa, com nuvens riscadas desenhando o horizonte. Me encanta e me enche de uma paz sem fim.

O vento bate no meu rosto e me carrega nos braços, me acalenta e sussurra que não tem pressa que valha a pena quando se tem tudo o que precisa aqui, agora, dentro de si. E o futuro perfeito, sem sustos e brilhante, cabe dentro de uma tigela de açaí.

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