Reclamar vicia
Nos últimos dias, uma pessoa nova passou a fazer parte do meu dia-a-dia e o fato dela conseguir enxergar os mesmos problemas que eu, fez com que eu me pegasse na posição de reclamador profissional.
Eu já não podia mais ficar a sós com a pessoa que tudo o que saía das nossas bocas era reclamação. E reclamar é tão gostoso! Principalmente quando você tem alguém para reclamar junto com você.
A sua indignação é compartilhada, sua dor é compreendida e juntos vocês se estressam e falam alto, e gesticulam, e de repente tudo parece fazer sentido porque vocês estão certos e o resto do mundo está errado.
Reclamar reforça minha crença na vitimização e me diz que tudo bem ser um fracassado reclamão. Porque o ato de reclamar parece já trazer junto com ele o distintivo de fracasso para quem o faz.
E logo eu, que vinha suportando as adversidades no meu caminho com bastante resiliência, me peguei esquecendo de todas as coisas boas que tenho acesso para entrar em um vórtice de reclamação e apontamento de dedo com relação a tudo o que parece estar errado em minha vida.
E se fosse apenas na minha vida seria bom. O problema é que nessa de reclamar, a maioria das reclamações caem sobre os outros. Você viu o que ela fez naquele dia? E ele, como pode ser tão preguiçoso? Quando eles vão tomar uma atitude? Será que as pessoas não se percebem?
Não, as pessoas não se percebem, assim como eu, muitas vezes, também não me percebo. Não percebo que estou fugindo do foco que eu havia determinado para mim porque alguém chegou do meu lado e me fez enxergar novamente as coisas que eu já via, mas que havia escolhido lidar com elas de outra forma, me abstendo da reclamação e focando no que importa, no caso, eu.
Mas também não acho que reclamar seja de todo mal. Algumas situações só mudam depois de uma boa reclamação. Vou lá reclamar meu direito de ser livre, vou lá reclamar meu direito de ser ouvida, vou lá reclamar meu direito de ser respeitado.
Reclamar no sentido de exigir o que é nosso é válido e necessário. Mas não é sobre isso que estou escrevendo aqui. Eu escrevo sobre aquele prazer viciante que se tem quando encontramos um amigo, ou um conhecido, com o qual estabelecemos um vínculo baseado apenas na reclamação.
Quando tá sol é o calor que irrita, quando tá chovendo é a chuva que não dá trégua. Tudo vira pauta para a reclamação. É a dor no ciático, o joelho que tá ruim, a política do país que não presta, a prefeitura que não dá conta dos buracos na rua, a vizinha com o som alto dela, a falta de árvores na cidade, a programação péssima da TV. Tudo é motivo para reclamação e nenhuma ação.
Quando você vê, já não são mais os filmes, as músicas ou os lugares que frequentam que unem a sua relação, mas sim o ato de reclamar da vida, que só coloca dificuldade no caminho de vocês.
Quando a gente tá viciado em reclamar, esquece que a vida tá ao nosso favor e não contra a gente. Reclamar é gostoso e vicia. E como todo vício, te paralisa. Te impede de avançar porque a reclamação coloca sempre a culpa no outro, e quando a culpa é do outro, não há nada que você possa fazer.
Mas quer saber uma coisa que eu aprendi outro dia? Sempre há algo que a gente possa fazer. Nem que seja se calar. Se você não consegue encontrar satisfação suficiente na sua vida para falar das coisas boas ou força de vontade para compreender que um pensamento sempre pode ser outro, então se dê o direito do silêncio.
Isso vai te poupar uma energia imensa e ainda te coloca em outro lugar, que é o de tentar encontrar, com a ajuda da auto responsabilidade e do poder de transformação que ela traz, a atitude necessária para que pelo o menos o que está ao teu alcance, possa ser feito.
Ao invés do vício gostoso de agora poder reclamar todos os dias com a pessoa que passou a conviver comigo, prefiro a astúcia de mudar de assunto ou o simples silêncio. Os defeitos já foram apontados, as reclamações já foram feitas. Não há nada que eu possa fazer para poder mudar o outro, então o que me resta é agir da melhor forma que eu puder, a fim de extrair o melhor dos meus dias e não fazer deles um sofrimento maior do que são. Mas isso, a gente só consegue, quando se abstém da reclamação.
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