Remédio para um coração cansado
Remédio para um coração cansado
Um dia difícil, uma preguiça existencial, uma vontade louca de jogar tudo pro alto, um cansaço do marasmo da vida. Um reboliço dentro do peito que deixa a cabeça confusa. Tudo culpa dessa mania que você tem de querer tudo por inteiro, de ser literal demais, as metades nunca te satisfazem, mania de catalogar sentimentos, idéias e posições na vida.
Sem falar no peso das responsabilidades diárias, bobagens domésticas que são jogadas nas suas costas. Difícil de suportar. Ouvir uma música pra distrair seria uma boa, mas você não tem Mp3, Mp4, ou qualquer outro aparelho que comece com M. Ainda tem o som do carro, mas seu pai é o motorista, portanto o gosto musical duvidoso dele é trilha sonora durante toda a tarde.
Uma inquietação horrível dentro de você. Falta espaço para um sentimento tão grande, até que chega um ponto em que você desiste de pensar “pensar demais só atrapalha” já te disseram uma vez. Então para de pensar e apenas faz o que deveria fazer, ou ao menos tenta, porque é fato que você não consegue, quando algo não vai bem dentro de você tudo o que quer é resolver logo e ficar de bem com a mente novamente. Mas às vezes a inquietação é sem motivo certo, é só reflexo de uma vida tediosa. Nesse caso não tem muito que pensar a respeito.
E tudo o que você quer é fiar sozinho, desaparecer. Mais ficar sozinho é bem difícil numa casa de seis pessoas onde o único nome que todos parecem saber chamar é o seu, e desaparecer infelizmente só é possível em Hogwarts com a ajuda da varinha mágica do Harry Potter. Pra completar, uma idiota qualquer que pensa ser alguém, te fez sentir mais idiota do que ela. Mas dessa vez você sabe o nome do sentimento, é raiva. É a boca espumando e a vontade de estraçalhar tudo no dente por ter perdido a tarde inteira. Você lembra daquela vontade de chorar que te deu o dia todo mesmo não conseguindo derramar uma lágrima. Faz tempo que você não chora, acho que desaprendeu.
Você quer uma mão amiga, alguém que não te aconselhe, alguém que apenas te entenda, mas que não precise falar pra isso. Porque por hoje você já escutou vozes demais.
Chega em casa calado e com a alma exausta, pra variar você não quer ver ninguém. Põe um DVD pra tocar, liga o computador e tenta escrever alguma coisa que lhe explique essa situação. Mas você ta tão cansado de si mesmo que não consegue escrever nada que preste, resultando numa síntese barata de assuntos do fim de semana que nem te interessam tanto assim.
Seu celular toca, uma esperança idiota enche seu coração, você corre desesperado pra atender como se houvesse alguém que justificasse essa esperança. Você vasculha na mente quem poderia ser enquanto se dirige até o telefone, engraçado, você realmente não tem ninguém.
Você vê que é aquele amigo, aquele que um dia falou que gosta de conversar contigo, aquele que você também gosta de conversar. Estranho mas você fica feliz por isso, ele pergunta se pode ir te ver, você diz que sim e não entende bem porque o seu humor mudou. Vocês conversam durante um bom tempo, uma hora, uma hora e meia, talvez.
Você fala do seu mau dia, ele fala do que sente falta, vocês falam do futuro, de filhos, mas tudo sempre na medida, cada um no seu espaço. Uma conversa onde os limites um do outro não se tocam. Você pelo medo que adquiriu de se abrir pra alguém, ele talvez por falta de prática. Você como sempre falando muito, nunca deixa o assunto morrer, qualquer suspeita de silêncio mútuo é interrompido por um comentário seu, afinal de contas vocês não têm intimidade pra ficarem em silêncio na presença um do outro, embora ás vezes fosse isso que você quisesse. Mas o silêncio exige intimidade, as pessoas precisam se conhecer bem pra ficarem em silêncio na presença umas das outras sem que os olhos corram pelos cantos dos cômodos e as mentes trabalhem desesperadas em busca de assunto.
Em algum momento da conversa você deseja que ele te pergunte como você se sente, normalmente você responderia educadamente, mas pra ele abriria uma exceção e seria sincero como a muito tempo não tem sido com ninguém. Talvez por saber que mesmo vocês não sendo melhores amigos você pode confiar nele. A conversa ta boa, mesmo pairando o superficial, a conversa com ele sempre é boa, pessoas inteligentes sempre têm uma boa conversa.
Ele diz que vai embora, que ta cansado do dia, você diz que ainda é cedo, isso soa educado, mas foi sincero, você realmente queria que ele ficasse mais. Vocês se despedem e ele se vai.
E mesmo tendo tido um dia ruim você percebe que alguém lá em cima cuida de você, que ele não pode descer para conversar contigo, mas sempre da um jeitinho para te fazer se sentir bem no final do dia. E naquela noite você esqueceu seus problemas, se distraiu e dividiu a bagagem com alguém, e o peso que tinha nas costas desapareceu. Um amigo certo numa hora incerta, o melhor remédio para um coração cansado.
Walter Filho
Um dia difícil, uma preguiça existencial, uma vontade louca de jogar tudo pro alto, um cansaço do marasmo da vida. Um reboliço dentro do peito que deixa a cabeça confusa. Tudo culpa dessa mania que você tem de querer tudo por inteiro, de ser literal demais, as metades nunca te satisfazem, mania de catalogar sentimentos, idéias e posições na vida.
Sem falar no peso das responsabilidades diárias, bobagens domésticas que são jogadas nas suas costas. Difícil de suportar. Ouvir uma música pra distrair seria uma boa, mas você não tem Mp3, Mp4, ou qualquer outro aparelho que comece com M. Ainda tem o som do carro, mas seu pai é o motorista, portanto o gosto musical duvidoso dele é trilha sonora durante toda a tarde.
Uma inquietação horrível dentro de você. Falta espaço para um sentimento tão grande, até que chega um ponto em que você desiste de pensar “pensar demais só atrapalha” já te disseram uma vez. Então para de pensar e apenas faz o que deveria fazer, ou ao menos tenta, porque é fato que você não consegue, quando algo não vai bem dentro de você tudo o que quer é resolver logo e ficar de bem com a mente novamente. Mas às vezes a inquietação é sem motivo certo, é só reflexo de uma vida tediosa. Nesse caso não tem muito que pensar a respeito.
E tudo o que você quer é fiar sozinho, desaparecer. Mais ficar sozinho é bem difícil numa casa de seis pessoas onde o único nome que todos parecem saber chamar é o seu, e desaparecer infelizmente só é possível em Hogwarts com a ajuda da varinha mágica do Harry Potter. Pra completar, uma idiota qualquer que pensa ser alguém, te fez sentir mais idiota do que ela. Mas dessa vez você sabe o nome do sentimento, é raiva. É a boca espumando e a vontade de estraçalhar tudo no dente por ter perdido a tarde inteira. Você lembra daquela vontade de chorar que te deu o dia todo mesmo não conseguindo derramar uma lágrima. Faz tempo que você não chora, acho que desaprendeu.
Você quer uma mão amiga, alguém que não te aconselhe, alguém que apenas te entenda, mas que não precise falar pra isso. Porque por hoje você já escutou vozes demais.
Chega em casa calado e com a alma exausta, pra variar você não quer ver ninguém. Põe um DVD pra tocar, liga o computador e tenta escrever alguma coisa que lhe explique essa situação. Mas você ta tão cansado de si mesmo que não consegue escrever nada que preste, resultando numa síntese barata de assuntos do fim de semana que nem te interessam tanto assim.
Seu celular toca, uma esperança idiota enche seu coração, você corre desesperado pra atender como se houvesse alguém que justificasse essa esperança. Você vasculha na mente quem poderia ser enquanto se dirige até o telefone, engraçado, você realmente não tem ninguém.
Você vê que é aquele amigo, aquele que um dia falou que gosta de conversar contigo, aquele que você também gosta de conversar. Estranho mas você fica feliz por isso, ele pergunta se pode ir te ver, você diz que sim e não entende bem porque o seu humor mudou. Vocês conversam durante um bom tempo, uma hora, uma hora e meia, talvez.
Você fala do seu mau dia, ele fala do que sente falta, vocês falam do futuro, de filhos, mas tudo sempre na medida, cada um no seu espaço. Uma conversa onde os limites um do outro não se tocam. Você pelo medo que adquiriu de se abrir pra alguém, ele talvez por falta de prática. Você como sempre falando muito, nunca deixa o assunto morrer, qualquer suspeita de silêncio mútuo é interrompido por um comentário seu, afinal de contas vocês não têm intimidade pra ficarem em silêncio na presença um do outro, embora ás vezes fosse isso que você quisesse. Mas o silêncio exige intimidade, as pessoas precisam se conhecer bem pra ficarem em silêncio na presença umas das outras sem que os olhos corram pelos cantos dos cômodos e as mentes trabalhem desesperadas em busca de assunto.
Em algum momento da conversa você deseja que ele te pergunte como você se sente, normalmente você responderia educadamente, mas pra ele abriria uma exceção e seria sincero como a muito tempo não tem sido com ninguém. Talvez por saber que mesmo vocês não sendo melhores amigos você pode confiar nele. A conversa ta boa, mesmo pairando o superficial, a conversa com ele sempre é boa, pessoas inteligentes sempre têm uma boa conversa.
Ele diz que vai embora, que ta cansado do dia, você diz que ainda é cedo, isso soa educado, mas foi sincero, você realmente queria que ele ficasse mais. Vocês se despedem e ele se vai.
E mesmo tendo tido um dia ruim você percebe que alguém lá em cima cuida de você, que ele não pode descer para conversar contigo, mas sempre da um jeitinho para te fazer se sentir bem no final do dia. E naquela noite você esqueceu seus problemas, se distraiu e dividiu a bagagem com alguém, e o peso que tinha nas costas desapareceu. Um amigo certo numa hora incerta, o melhor remédio para um coração cansado.
Walter Filho
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