Vida que dói

Vida que dói

“Eu era um garoto rápido e molhado. Mergulhando fundo por moedas. Diretamente nos seus olhos cegos. Largo nos meus brinquedos de plástico... Roubaram meu mapa marcado em páginas, e chamei por você em todos os lugares.” (Flightless Bird, American Mouth)

Ele tinha apenas dez anos e um medo horrível de viver, um medo que só gente grande deveria ter. Gente que já tivesse sofrido muito. Mas ele era novo demais, ainda não tinha passado por nada. Tinha tanto medo dentro do peito, da vida, do que poderia ser e ter, e também do que poderia perder. Medo da morte, de no final não ter aproveitado por completo. Ele queria todas as certezas nas mãos, queria se sentir seguro. Mas o vazio que o medo causava dentro dele era grande demais.

Ele precisava de ajuda, queria ajuda. Chamou o pai. E deitados sobre a manta azul na beira da praia, ele abriu o coração. Um coração ainda intacto de certas decepções da vida, mas com tanto medo, tanto medo. O pai escutou com carinho e atenção, como só os que não esperam nada em troca sabem fazer. E sob uma constelação ele falou de tudo o que sentia. Falou de como o medo lhe prendia e como isso lhe incomodava. A luz da lua sobre eles. Lua clara demais, linda.

Ele chorou, chorou com medo de estar fazendo a coisa errada, soluçou, com medo de sofrer. As ondas batiam na praia. O vento soprava de leve. O pai colocou a mão sobre seu ombro, mesmo deitados. Enxugou suas lágrimas. Falou que não era errado sentir medo, que a vida era difícil sim, complicada demais, e aprender a viver nesse mundo exigia um certo tempo, um tempo que incluía decepções e perdas. Mas que ele também não deveria viver assim, que o medo mais atrapalhava do que ajudava, falou que cuidado, era a palavra certa.

Que na vida não temos certezas, e que sim, a falta de certezas dói, e machuca o coração de um jeito terrível. Porque somos previsíveis, esperamos que tudo na vida também seja. Queremos sempre o controle, mas que isso é inútil de se querer. Apenas estamos aqui, e não temos nada que nos garanta muito. Falou que a única certeza infelizmente é a mais triste, a morte. Mas que quando ela chegar estaremos preparados, de alguma forma saberemos, e mesmo dela não é preciso ter medo, ela é natural. Falou que a vida era um presente insubstituível, que ver as mãos enrugarem e as primeiras linhas no rosto era um privilégio. Que o mundo era perfeito em todas suas formas de vida. Que a maior obra prima de Deus era o ser humano, do amor que ele colocou ao criá-lo, e que Deus também se entristecia ao vê-lo assim tão triste e com medo. Que ele precisava glorificá-lo, e glorificá-lo com sua vida, com todos os seus sentidos, aproveitando o melhor que a vida pode lhe oferecer. Falou que apesar das dores e sofrimentos a vida é boa sim, que pra tudo existe uma explicação, por mais que não saibamos agora, por mais que pareça apenas o acaso, por mais dolorosa que possa ser.

E o medo que ele sentia foi se encaixando direitinho dentro do peito, entre os braços do pai que lhe abraçava, e foi ficando cada vez menor, e menor. E naquela noite ele aprendeu bem mais do que já imaginou aprender. Descobriu que viver é uma aventura sem proporções, que o mundo é do tamanho dele, e que por mais difícil que ele possa parecer, é maravilhoso, é só olharmos para o lado certo.

Walter Filho

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