O barulho que o silêncio faz

 


Era cinco e meia da manhã de um sábado. Levantei, tomei banho e retornei para o quarto. Enquanto me vestia, notei o que deveria ser óbvio àquela hora do dia, mas que por consequência de morar em um prédio localizado em uma avenida principal, acaba se tornando algo inédito: o silêncio.


O habitual barulho de portas batendo vindo dos outros apartamentos; liquidificadores ligados, passos apressados de quem está se aprontando para o trabalho; buzinas de carro e motores a todo vapor na rua; o som dos trabalhadores da loja de material de construção ao lado. Tudo tinha sumido.

Parei por um instante e foquei no silêncio, que não era bem silêncio. Era um zunido. Aquilo que fica por trás de tudo o que tem som. Você já percebeu isso? Quando se está realmente em silêncio vem um zunido.

Eu costumava ter essa percepção quando era criança e morava no interior. Quando faltava energia o silêncio era tão grande que você passava a escutar outra coisa, uma espécie de eco de algo que sempre esteve ali enquanto todo o resto fazia barulho, e você não ouvia por estar distraído demais pelos outros sons.

E não sei se isso tem alguma verificação científica, mas eu tenho essa percepção de haver um som por trás do som das coisas. Não é alto, mas incomoda, mete medo. É como se o nada conversasse com você.

Lembro de ficar profundamente incomodado com aquilo quando era criança. É como se nunca houvesse o silêncio de fato. Dizem que o silêncio absoluto, só no espaço. Pensar nisso me encanta e me mete medo. Será que eu suportaria o absoluto silêncio?

O silêncio daquela manhã de sábado não foi igual ao da minha infância. Ainda faltava muito para isso. Faltava mais quietude, mais calma e inação. Mas ainda assim, ele estava ali, mesmo que interrompido por alguns momentos pelo canto dos pássaros lá fora, aqueles que ainda resistem em sobreviver em uma paisagem tomada por prédios.

O silêncio me fez atentar para um outro som, o da minha minha mente, e esse costuma ser bem incômodo. Lembrei de como há algumas semanas eu estava incomodado com esse barulho mental, com as vozes que falavam sem parar na minha cabeça a cada atividade automática que eu tinha que realizar no dia, como lavar a louça ou limpar a casa. Elas ficavam me perturbando, criando cenários terríveis e imagens cheias de ilusão.

Naquele dia, notei que elas já não estavam mais me incomodando como antes. Resultado de uma limpa que eu fiz no excesso de conteúdo que eu vinha consumindo durante o dia. Vídeos e vídeos, posts e mais posts, centenas de reels e shorts, todos cheios de pensamentos e vozes de gente querendo me vender algo. Na maioria das vezes, ideias, em outras, produtos, mas sempre uma ideia para vender um produto.

Eu já não fazia mais quase nada sem estar ouvindo podcast, música, ou assistindo algum vídeo. Mas chegou o momento em que esse excesso de conteúdo começou a me incomodar e eu me senti saturado, percebi que ele só contribuía para o meu barulho mental. Desde então, o meu maior desejo passou a ser o silêncio.

Mas não apenas esse silêncio físico, como o de um sábado às cinco e meia da manhã. Mas o silêncio interno, esse que exige esforço e um autocontrole imenso de nós mesmos para ser alcançado, porque ele é raro e fácil de se perder. Esse tão desejado por mim, mas que ao mesmo tempo era tão temido.

Tão temido porque ele me fala dos desejos que eu tento evitar para não ser mal visto, porque ele grita os meus defeitos e sussurra o que eu realmente quero da vida.

E ouvir o que a gente realmente quer da vida, mete medo e nos tira do conforto, mostra os incômodos que insistimos em não olhar na esperança de que um dia, magicamente, eles deixem de existir. Nessas horas, eu percebo que o silêncio tem voz própria, e faz muito barulho.

Comentários