Todos os sonhos em um quadro negro

 



No final do ano passado, vi uma matéria na TV em que a produção de um programa matinal levou um quadro negro imenso para uma estação de metrô. As pessoas que passavam por ali podiam escrever os sonhos que queriam que se realizassem em dois mil e vinte e quatro.

Uma mulher queria ampliar o próprio negócio; uma estudante queria arrumar um namorado, havia sofrido muito por amor no ano anterior e queria compensar no ano novo; um senhor queria virar cover do Raul Seixas porque todo mundo dizia que se parecia muito com ele.

Os sonhos eram muitos. Achei bonita a ingenuidade no olhar das pessoas, no desejo delas e na esperança que elas nutrem de dias melhores. Elas têm fé no futuro e eu não sei se isso me comove ou me entristece. Elas acreditam que vamos estar aqui daqui há cinquenta anos. Elas planejam coisas.

Será que elas sabem que estamos matando o planeta a cada segundo? Será que elas sabem que pouco tempo nos resta de acordo com a ciência? E de onde vem essa esperança? Gostaria de dizer que ela vem como resultado do fruto das ações de cada um, porque se nos movemos para agirmos em direção ao futuro bom que tanto sonhamos, então, sim, vejo total sentido em mantermos acesa a esperança no coração de que algo vai mudar. Afinal, para toda ação há uma reação.

Mas estamos mesmo fazendo alguma coisa ou só estamos desejando ampliar o negócio, ter fama, conquistar o namorado, construir condomínios à beira-mar, vender apartamentos e encher as praias de lixo enquanto vendemos nosso tempo a um valor baixíssimo para as big techs, donas das redes sociais? Estamos realmente fazendo algo, ou apenas vivendo a vidinha que nos é mais confortável?

Me parece que estamos correndo para lugar nenhum. Todo mundo perseguindo o sonho individual que é coberto por uma névoa de fantasia criada pela publicidade, enquanto rejeitamos tomar a ação que seria essencial para uma mudança que afetasse não apenas a minha vida, mas a vida de todos.

Não acredito em um futuro brilhante e cheio de esperança enquanto a causa dos males deste mundo não for trabalhada, e a causa somos nós mesmos. Emissões de carbono, plástico nos mares, desmatamento, alta dos juros, falta de empregos, guerras, desvalorização da cultura e da educação. E a gente segue fingindo que está tudo bem.

Queria que este texto fosse mais otimista, queria poder terminar ele com alguma mensagem de esperança, como gosto de fazer, já que penso que a vida neste planeta já é sofrida demais para que eu venha colocar mais grilos e culpa na sua mente.

Mas não é sobre culpa, é sobre responsabilidade. É sobre fazer o que é possível, é sobre ampliar a consciência para compreender que não somos ilhas, que o plástico que eu jogo fora no lixo da minha casa, vai afetar a vida de um outro ser daqui há mil anos, e eu, eu nem vou estar mais aqui.

É saber que a vida espera ação de nós. E que não adianta esperar vir do governo ou de outros lugares, a solução somos nós mesmos. Preparando as próximas gerações, incentivando, conscientizado sobre a responsabilidade que temos acerca deste planeta.

Tentar se abster da responsabilidade da ação, da autonomia, inclusive, com relação aos nossos sonhos, de maneira responsável e coerente com a manutenção do nosso meio ambiente, é tão ingênuo e ineficaz quanto escrever os desejos de ano novo em um quadro negro em uma estação de metrô para um programa de TV.

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