Acerto de contas no badalar da meia noite

Eu escutei seus passos soando pela casa escura como os ratos que pertubam meu sono durante a noite. A escada rangia a cada novo degrau que você subia. E eu tremia de medo a cada novo som que me pertubava. O relógio bateu meia noite e eu quase perdi o fôlego. Seus passos pararam. Respingos de chuva molhavam minha cama e o lençol fino não era suficiente para o frio que cobria minha alma. Novamente seus passos no degrau me alertaram do perigo que corria por te ter por perto. Esitei antes de por os pés no chão frio. Enconstei meu ouvido na porta do quarto e apertei a maçaneta. Sua respiração do outro lado da porta me pertubava. A chuva, minha respiração, a sua respiração e o descompasso absurdo que o medo emitia dentro de mim. Recuei. Voltei. Temi. O sal, as velas, um círculo e eu no meio de joelhos numa tentativa absurda de me proteger do teu espírito. Eu ofegava, chorava. A porta se abriu num rangido que arrepiou meus pêlos. Era você. Era você em pé na porta do meu quarto, pertubando minha calma, rangendo dentes, o sangue pingando no chão. Eu via através de você. Sua alma não mais me tinha segredos. Fechei os olhos. Não, eu não queria ver. Ia passar. Vai passar, é apenas um sonho.
E a cada nova tentativa de me convencer que tudo aquilo era passageiro mais eu chorava e soluçava no ritmo dos seus passos em minha direção. Você atravessou o círculo de sal e eu estava perdido, rendido ao poder macabro que me prendia a você. Solucei, gritei num desespero superior a tudo o que já havia sentido antes. Alguém teria que me ouvir, me arancar dali, me salvar de você. Mas era o preço que eu teria que pagar sozinho. Tanto tempo tentando me proteger desse momento, do confronto que eu tanto temia, o momento em que você viria acertar as contas. Nem todas as figas, trevos de quatro folhas, encruzilhadas à meia noite me livraram desse momento. Dobrei meu tronco sobre os joelhos e me abracei na tentativa inútil de fechar meu corpo pra você. Meu nariz agora encostava o chão e as lágrimas lavavam o assoalho. Fui invadido por um frio estarrecedor, cada parte do meu corpo doía. O fôlego me foi roubado e eu estagnei com a boca aberta. Você tinha voltado. Um fantasma de um assunto mal resolvido que venho tomar suas dores. Você estava me possuindo novamente.

Walter Filho

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