Enquanto não se quis mudar

Sobrou. Quase sempre sobra alguma coisa. E quando você passou hoje de manhã por mim sobrou aquela dor no coração, aquele vazio, uma tristeza e a vontade de chorar. Eu queria sumir dali e ficar sozinho. Nos momentos seguintes não consegui me concentrar em mais nada a não ser na dor que o teu vazio me deixou. Você passou e segundos depois meus braços estavam tremendo e o estômago revirando querendo por pra fora alguma coisa. Eu não queria que fosse assim, eu realmente não queria. Eu poderia ter feito tanta coisa. Eu poderia ter feito diferente. Poderia ter quebrado o gelo e te surpreendido com um "Oi". Poderia ter te oferecido uma carona. Poderia ter te dado um "tchau". Mas eu não fiz. Não fiz porque não quis e ao mesmo tempo por querer demais e saber que isso não me levaria a nada. Isso mesmo. Eu queria demais. Queria demais te cumprimentar, mesmo sem grandes emoções, mesmo como uma qualquer. Queria ter te trazido pra perto e até te perguntado sobre como vai a vida, ou apenas "como vai?". Queria ter trocado experiências como antes, queria ter te falado um monte de coisas novas que aprendi. Mas sabe a emoção? Consegue entender a emoção? Aquela emoção que saía de você, de tudo o que me fez passar, aquele nervossismo que me dava quando te via, aquela raiva que me fazia chorar por tudo o que você fez, a dor dentro do peito que eu carreguei por tanto tempo. Tudo isso. Toda essa emoção. Se foi. Eu não sei pra onde nem como, mas se foi. E era essa mesma emoção que me faria te chamar pra perto e perguntar sobre o teu dia, mas ela não existe mais. Você desencantou. Pessoa comum novamente, sem muito a me oferecer. O que tinha de me dar já deu. E agora nada mais em mim doí por causa de você, nada em mim sente mais a dor do teu desprezo. Resolvi me reiventar esses dias, comecei essa semana, e comecei bem já que você me arrancou a amargura e me devolveu um sentimento que eu havia perdido, a paz de espírito dos que fizeram tudo pra dar certo, a conciência limpa de quem foi lá lutou e tentou, tentou, tentou... Até que cansou. E hoje, ah e hoje. Hoje eu to aqui escrevendo esse texto quebrando uma promessa que fiz a mim mesmo. To aqui correndo pela contramão da minha razão. To aqui disdizendo as bobagens que o ódio me fez dizer em algum momento do passado. To aqui falando novamente em você. Hoje eu posso falar de você sem dor, sem lágrimas, sem emoção. Por que a ferida foi curada, porque você foi perdoada. Quando a ferida não mais doí, quando o câncer é curado, quando a morte é superada, a gente fala sem medo do que possa ouvir, porque se sabe que o que passou, passou. E não falar em você era um sinal claro de que você ainda habitava minha mente de uma maneira nada construtiva. Nossa quanta bobagem! quanta bobagem isso aqui. Poderia perder esse texto por aí, poderia jogar fora e apagar essa merda que não me faria falta. Falta. Sinto falta do que você era, do que um dia representou pra mim. Mas hoje, hoje já não cabe mais na minha vida, hoje eu já não me encaixo mais na sua. Eu poderia sair por aí e gritar teu nome pros quatro cantos do mundo, gritar pra dizer que me curei, que você passou. O ódio e toda a raiva se transformaram num carinho que sobrevive do passado. As lembraças que tenho de nós sempre vão estar vivas e eu queira ou não, eu admita ou não, nunca vou te esquecer. O que nós fomos um pro outro no passado nunca vai morrer. E mesmo que um dia você queira chegar perto de novo, mesmo que queira retomar o que um dia perdemos, é com dor no coração que tenho que dizer que não tem mais jeito, o mal feito já foi feito. Ou talvez o bem feito já tenha sido feito. Não é porque acabou assim que não tenha dado certo, você deu certo na minha vida até o dia em que não resolveu dar mais. Por isso te admiro como algo bom, como em cada xícara de café que vejo, como em cada música que me lembra você, como em cada pessoa que por acaso toca no teu nome de um jeito que eu sei você não é. Ou pelo menos achava, já que você mudou tanto. Você se perdeu num vácuo que eu não sei onde encontrar, suas intenções e sonhos, seus objetivos, não sei se ainda existem, mudou tanto. Você dizia uma coisa e correu ao contrário do que pretendia. Um amigo um dia me falou que "Não presta" é uma expressão muito forte pra ser usada pra uma pessoa, ninguém não presta, todo mundo tem uma utilidade. Mas eu posso dizer que você não presta pra mim, não mais. Prestou até o momento em que eu era o que era, até o dia em que você não quis mudar de rumo. Mas eu não a culpo pelas mudanças, você está viva, eu estou vivo, propensos a mudanças a cada segundo. Mas foi sua falta de caráter em ter chegado até mim e assumido essas mudanças que me machucou demais.Você cresceu, tenho certeza, eu também cresci. Cada um de uma forma diferente, cada um no seu mundo. E enquanto você estava satisfeita no mundo em que me tinha por perto, eu lhe fiz bem, mas quando você quis experimentar um outro lado dessa vida que já não me cabia mais entre você, eu comecei a lhe fazer mal. Mas não era preciso ter jogado fora assim por entre um espaçozinho do vidro do carro na rodovia, podia ter dobrado e jogado dentro do saquinho no carro mesmo. Seria melhor.Ficar sem explicações é terrível, você mesma odiava isso. É difícil demais lidar com pessoas como você, a tua infantilidade me machucou demais e tua falta de consciência me surpreendeu. Mas como o que fomos um dia se perdeu no tempo, esse texto também vai se perder por aí, tornando essa reflexão do passado um detalhe, apenas um leve perfume do que um dia foi uma amizade onde se falava em nunca se esquecer, nunca se abandonar. Talvez esteja certo. Foi certo. Foi tudo certo. Tenho certeza que nunca vamos nos abandonar. Porque toda vez que se ajoelhar sei que vou estar nas suas orações, e mesmo que sem querer, de vez em quando me pego orando por você. Te amei.

Walter Filho

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