Overdose de vida


Será que é possível? Será que é possível se ver assim tão sozinho, refletido em imagens de paisagens tão belas por serem por si sós? Será possível não querer falar de si mesmo? Não se importar em mostrar os pontos, em levantar o troféu e astear à bandeira? Porque é nessa solidão de caos e calmaria que me encontro. Que sinto quem sou. Quando me calo é que não me sinto babaca. Quando não abro a boca pra mostrar o que sei é que me mostro mais interessante que a maioria. E quem disse que eu sou mais interessante que a maioria? Todo mundo acha que é mais interessante que todo mundo. Todo mundo pode tudo, todo mundo ta certo, todo mundo sempre vence. Todo mundo ta é errado. E eu me reservo a ter pena de todo mundo. Me incluindo nessa pena só por estar vivo. Porque como dói isso aqui. Como dói viver. Trabalhoso demais. E queria me resumir a momentos de puro êxtase e prazer, me resumir aos risos e dias de sol. Mais eu olho ao redor e não vejo ninguém. Ta todo mundo sozinho tentando se agarrar em qualquer ilusão de afeto. Eu não falo, mas tenho tanto, tanto pra falar. Queria tanto falar. Mas o que tenho pra falar nem sempre interessa. O que quero por pra fora me corrói e igualmente perturbaria aos outros. Ninguém quer engolir o resto do que digeri em doses pesadas e lentas. Ninguém quer dividir ou escutar, ninguém quer se envolver e morrer de prazer em descobrir o outro. O que eles querem é sentar numa mesa de bar e apontar, exemplificar, brincar e dá risadinhas idiotas, fazem piada do que não conhecem. Mentes abertas, jovens modernos, descolados, com personalidade demais para serem iguais aos outros. Mas são tão bobos, tão bobos, meu Deus como são idiotas. Na tentativa vulgar de se distinguir se enrolam na mesmice de uma vida inventada onde se resumem no óbvio e o esperado, onde nada se distingue, presos na tentativa de existirem por si só. Esquecendo que assumir quem se é, vivendo o que manda a consciência, é o que se faz existir. Nada mais admirável do que alguém que não se deixa levar. E é por essas e outras que não me encaixo. Por essas e outras desisti de correr atrás de quem me siga nessa minha contra mão louca e perigosa demais. Nessa estrada curva onde caminho as pedras mudam de lugar e eu não paro nunca. Mas eu não quero te falar sobre o que sei, é justamente sobre o que não sei que escrevo. É pelo o que me perturba que deixo cair essas palavras no papel. É pelas minhas doenças emocionais e medos que me desdobro, me debulho em lágrimas. Me escuta, me salva desses meus medos, porque eu já não caibo mais dentro de mim, me dividir agora é o que resta como solução pra minha dor. E eu me recuso a me encaixar neles, me recuso a aceitar essas mentes que em nada me surpreendem, me recuso a deixar a correnteza me levar, mesmo sabendo que é muito mais fácil se deixar ser levado. Me recuso a abandonar minha história. Me recuso. Então vem. Vem, mas vem logo. Me arranca logo daqui. Me escuta e fala também, sim, eu quero escutar, mas me deixa falar primeiro, diz que me entende, que também se sente assim, que sabe do que eu to falando. Deixa eu me jogar nessa piscina com os raios de sol amarelando à tarde, banhando meu corpo da luz que me aquece, deixa, deixa eu sentir essa vida, essa vida de merda, que perturba, que me tira a paz, mas que é boa demais, boa demais. Deixa. Deixa eu ficar no telhado olhando por cima dessa cidade, porque assim me sinto grande, me sinto livre e preso, livre do mundo, preso na minha redoma impenetrável. E essa ilusão de segurança me dá força pra ir alguns passos mais a frente. Sabe por onde eu passei? Não? Então deixa eu te contar, deixa, deixa eu me abrir pra você. Deixa porque já não me suporto. Deixa porque esse tempo corre demais. Quebra todos os relógios e apenas prenda-se em mim. Concentre-se em mim. Será que um dia eu vou aprender que não tenho nada, que tudo me tem? Será? Será que um dia vou entender que essa vida não cabe em minhas mãos, que eu não controlo, sou controlado? Porque ninguém sabe de nada, nada, ninguém tem nada. O sol que nasce pra mim também nasce pra eles, e é esse saber que me faz sentir pena da ignorância alheia. Mas depois da dor sempre vem essa vontade de viver que brota aqui dentro. É um ar que puxo com força e encho os pulmões, numa tentativa absurda de engolir a vida por inteira e de uma vez.

“Tenho feridas, mas faço valer todas as minhas cicatrizes.” (Filme Nome próprio)

Walter Filho

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