Eu e a infantil voz da produtividade

 



De vez em quando eu me pego ouvindo uma vozinha irritante. Aquela que me diz que eu deveria querer sempre mais do que eu tenho. E está tudo bem em querer ser melhor do que eu sou, mas ela não quer ser melhor, ela quer mais.

E a vozinha infantil diz que eu preciso de tudo para ontem, porque ela não sabe esperar. E com isso, eu me cobro cada vez mais, porque eu tenho que querer mais e mais. Não posso me contentar com o que me faz feliz, também preciso desejar o que nem é para mim, não importa a qual preço for. Porque só assim para poder ser alguém. Me pergunto quem é esse alguém que não sou eu.

Ontem fui dormir chorando por puro cansaço, por tentar demais fazer as coisas do jeito mais difícil, o meu jeito. Acordei ansioso depois de nem ter conseguido descansar direito, pensando em continuar o plano de carreira que eu havia começado no dia anterior.

Eu estipulo horário para tudo, faço cronogramas complexos, estabeleço metas, quebro elas em tarefas e as tarefas em subtarefas. E assim, vou criando um fluxo de um planejamento que quase não tem fim e que, no fim, só me deixa estressado e cansado pela pressão que eu mesmo faço. De tanto planejar, esqueço a pessoa que quero ser, esqueço o futuro que quero viver.

E lá no meu futuro, não tem lugar para a angústia de quem acha que está sempre atrasado e fazendo pouco, que deveria entregar mais, ser mais. Eu já sou a pessoa que preciso ser. Você já é quem precisa ser.

Lá no futuro, não tem lugar para quem acha que ter é melhor que ser e para quem pensa que o melhor está sempre em algum lugar que não aqui; e o aqui, sou eu escrevendo este texto agora.

Já passei anos da minha vida me pressionando, me levando ao limite, e tudo o que conquistei foi uma dor na perna por tensionar demais o corpo. Só me vi livre dela quando, de fato, consegui abrir mão do controle que eu achava que tinha sobre as coisas.

Ontem, a respiração voltou a ficar ofegante porque, no fluxo de querer criar o máximo que eu podia em pouco tempo, eu esquecia de respirar. No fim do dia, eu estava irritado e impaciente. Eu estava fazendo o que eu queria, do jeito que eu queria, criando o que eu queria. Não havia motivo para a irritação.

Mas a irritação veio porque não consegui finalizar uma ilustração a tempo de terminar dois textos em um único dia. Ela veio porque a vozinha infantil dentro de mim ainda dizia que querer uma hora de pausa, após passar três horas ilustrando, era querer “folgar demais”.

O problema é que comprei a ideia da produtividade e do esforço que gera riqueza, para a gente ver quem morre mais rico e pobre de si mesmo. E eu realmente achei que o esforço desmedido moveria o mundo, e compraria o meu mundo.

Acreditei que as coisas iriam dar certo e sair do jeito que eu queria porque eu estava há quatro horas sentado em uma cadeira, para poder terminar um trabalho e começar outro em seguida, a fim de entregar ainda naquela tarde. Nada pode ficar para depois, nada, só o meu bem estar.

Eu achava que controlava alguma coisa. Mas um dia a vida veio quebrando meus achismos e minhas certezas. E quando você perde suas certezas, só fica o que importa. E o que importa é delicado, suave, calmo e fala baixinho. O que importa não faz barulho, nem chega derrubando muros aos chutes e gritos, mas está quebrando padrões o tempo todo, com delicadeza.

E de ontem para hoje, o que importa falou comigo de novo, e me mostrou que eu estava novamente entrando no ritmo que aprendi a cultivar ainda na adolescência. O padrão de quem precisa controlar porque tem muito medo, de quem precisa correr porque não sabe para onde ir.

E nada pior do que semear hoje, um futuro cheio de medos. Se o local onde quero chegar transborda calma, serenidade e segurança, então eu preciso, hoje, ser esse lugar. Não são as coisas que mudam, somos nós que mudamos as coisas.

E hoje, antes de tudo, reavaliei o meu porquê. O propósito que me faz querer levantar todos os dias às seis da manhã e ficar empolgado em querer escrever meu livro, em desenhar e contar histórias para você que lê isso aqui. Decidi que só faria o que faz sentido para mim. E muita coisa deixou de fazer sentido nos últimos anos.

Hoje acordei e continuei fazendo meus planos, afinal de contas, as coisas precisam acontecer, e para que elas aconteçam algum grau de disciplina têm que haver. Estipulei metas, defini horários e separei longos períodos de descanso entre uma atividade e outra. Mas desta vez, sem ouvir a minha vozinha infantil que acha que sabe e pode tudo.

Acredito na sabedoria de uma voz interna, uma que mora dentro da gente, a voz de uma versão nossa melhor do qualquer coisa que possamos julgar com nossa mente pequena, de gente pequena, que vive em uma bolinha azul flutuando no espaço. Muito maior, muito melhor.

E essa voz é quem nos guia quando a gente se permite ouvi-la. O problema, é que o que ela fala nem sempre faz sentido, nem sempre concorda com a lógica do maior esforço e sofrimento. Nem sempre pede por mais ou deseja mais. O que ela fala não alimenta meu ego, nem enche meu instagram de seguidores. O que ela fala não pensa no que você vai pensar de mim.

O que ela fala desafia a razão, e tudo o que desafia a razão exige coragem. Coragem de parecer louco. Mas somente aqueles que escutam essa voz, podem deitar a cabeça no travesseiro à noite com o coração repleto da paz que só quem se ouviu é capaz de alcançar.

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