O eco do mundo

 



Depois de algum tempo de terapia, adquiri a habilidade de me observar com uma certa atenção e frequência, mais do que normalmente gostaria de fazê-lo, já que posso te assegurar, estar atento a si mesmo nem sempre é uma tarefa agradável.

A gente se pega pensando cada coisa! E o pior é o susto: “Meu Deus! Eu estou pensando nisso?” Sim, você está. Desculpe te decepcionar, mas você não é o senhor perfeição, e o que você pensa que te diferencia dos outros é apenas a sua ideia de superioridade, que diga-se de passagem, não é nada legal.

E nessas de estar se observando o tempo todo, há momentos em que as vozes na minha cabeça parecem querer me enlouquecer, e isso geralmente acontece quando estou fazendo alguma atividade automática, como lavar louça, comer, varrer a casa, tomar banho.

Eu fico no automático e a mente vai passear, às vezes no futuro, às vezes no passado, ela só não fica no presente. Eu estou colocando a comida no prato, e ao mesmo tempo estou imaginando uma cena em que alguém tenta me diminuir, e automaticamente já estou me sentindo mal e ficando irritado porque tenho muito o que falar para poder me defender.

E se alguém chega perto de mim naquele momento e me pergunta seja lá o que for, te juro que sou capaz de ser grosseiro com a pessoa, por absolutamente nada. Só por pura ilusão da minha mente.

Hoje sentei para almoçar e percebi o quanto minha mente vagava por lugares estranhíssimos. Cenas soltas passavam por ela, frases sem sentido, diálogos sem razão nenhuma de existirem, opiniões que ninguém me pediu, o medo de que façam isso ou aquilo comigo, pensamentos sobre como eu iria escrever este texto e o que você vai pensar dele. E o gosto da comida, qual é mesmo? Esse feijão já tava frio assim quando eu coloquei no prato?

Nessas horas percebo o porquê gosto tanto de comer e lavar louça ouvindo podcast ou vendo vídeo no youtube. Porque eu não presto atenção em mim, porque não ouço meus pensamentos. E essa é uma meia verdade, porque mesmo com o celular ligado na minha frente ou com três pessoas falando no meu ouvido em um podcast, minha mente ainda assim se distrai e eu me pego tendo que voltar o vídeo, ou o áudio, na tentativa de compreender o que foi dito.

Porque o que foi dito, já foi, passou, e eu não percebi porque estava pensando em como vou arrumar as gavetas da minha futura casa, a qual tenho quinze reais no banco para comprar.

E a questão não é sobre não querer ouvir a mim mesmo; porque esses pensamentos não são quem eu sou, são apenas ecos das coisas que consumi durante o dia: a discussão do Twitter, os vídeos curtos do TikTok, os podcasts que escutei, a música pop do momento, as fofocas da vida da família.

Nadas, vários nadas, e que dizem absolutamente nada sobre quem eu sou. Então, se não presto atenção no vídeo ou no áudio que estou escutando, e esses pensamentos aos quais me deixo levar, não são meus; isso significa que nem a mim mesmo eu estou escutando, eu estou apenas reproduzindo o eco do mundo.

O eco do que a sociedade quer que eu pense, do que a mídia quer que eu discuta, da música que a indústria quer que eu escute, do que minha família quer que eu seja, do que eu penso que eu sou.

E esses pensamentos, que passam por aqui de vez em quando, por vezes conseguem ser muito perturbadores. E eu fico confuso quando os percebo, mas se não os percebo, me torno o quê? O que alguém se torna quando deixa de perceber a si mesmo?

Às vezes eu só quero um jeito de calar a minha mente, de não ouvi-la por um tempo, de boiar, sobrevoar, planar sobre tudo o que existe, de não precisar ser nada, dizer nada, ter nada.

Essa sensação de apenas observar e existir me é bem comum enquanto medito, mas é difícil mantê-la no dia a dia, e dependendo da fase, os ruídos dessas vozes na minha cabeça ficam insuportáveis.

Estar atento a si mesmo é bom porque a gente percebe que pode ser melhor. Se perceber qualquer coisa é o primeiro passo para se livrar da coisa, e se existe caos e perturbação nos pensamentos, então também existe um lugar de paz e equilíbrio, porque tudo é dual.

Mas por outro lado, você percebe que a ideia que criou de si mesmo, não é nada real, geralmente, criada para responder de volta ao eco do mundo, pelo qual você deseja tanto ser amado. Você descobre que não é mais nem menos do que qualquer outra pessoa por aí, a diferença é que você sabe disso.

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