Confia na criança
Um dia escutei uma história, e me desculpe o autor ou a autora, porque não me recordo onde a escutei, mas até onde sei, era uma história verídica: Uma menininha ia atravessar uma avenida movimentada ao lado do pai, ele vendo que ela estava apreensiva com o movimento da rua, falou para ela apenas segurar a mão dele e confiar. A criança assim o fez e juntos atravessaram.
Do outro lado, já na calçada, a menina falou para o pai que no maior prédio da avenida havia exatamente um número X de andares, e o pai ficou surpreso com a observação dela. Perguntou como ela conseguiu contar todos os andares enquanto eles atravessavam a rua, no que ela respondeu: você me pediu pra segurar sua mão e confiar.
E ela confiou, se sentiu tão segura que conseguiu se distrair contando os andares do edifício. A criança se deixou ser conduzida por confiar no adulto.
Essa história me faz lembrar o quanto deixei de fazer na vida e como me submeti a certas situações por não confiar; mas no caso, o adulto da vez, era eu mesmo. Por não confiar em mim.
Em alguns momentos acreditei que eu não era capaz porque a minha criança cresceu escutando que não sabia de nada, e sendo podada porque era perigoso demais ser quem ela era.
Carregar essa criança ferida e cheia de traumas sempre me foi bem trabalhoso, e me deixou atrofiado durante anos por tentar me encaixar em lugares para os quais eu era grande demais.
Mas como a maior lei da vida é a mudança, eu aprendi que agora eu era o adulto, e que se eu não fizesse o trabalho do pai na hora de atravessar a rua, minha criança passaria a vida inteira chorando, esperando dos outros a atenção que ela não teve, só para então poder confiar em si mesma.
Se você falar para uma criança pegar na sua mão e confiar, ela vai confiar. Mas para isso, ela precisa antes, confiar em você, e ninguém confia em quem não conhece.
Espero que neste dia das crianças você esteja com uma fina amizade com sua criança interior, alinhados, de mãos dadas, se divertindo, rindo e confiando um no outro.
Você pode avaliar essa confiança pela quantidade de vezes que se pega rindo de si mesmo pelas coisas mais bobas possíveis, por aceitar seus erros e entender que, apesar de adulto, continua aprendendo, e vai ser assim para sempre. Na conversa interna nos momentos de ansiedade e medo, quando diz a si mesmo que é só sensação, é só sensação e vai passar. Quando encontra graça nas coisas simples e um passeio a pé pelo bairro é o suficiente para te encher de alegria.
E se por acaso, você nunca prestou atenção a essa vozinha infantil que fala sem parar no seu coração, seria uma boa começar se perguntando o que você mais desejava quando era criança. O brinquedo, a viagem, o passeio, a roupa, o sapato, a experiência. Qualquer coisa.
Acho que hoje seria um bom dia para você realizar esse sonho. Senão, ao menos começar a planejá-lo. E sem se importar se está sendo bobo ou se é adulto demais para isso.
Essa ideia de se tornar adulto é a maior besteira. Tudo é agora, sua criança continua viva aí dentro de você. Feche os olhos, lembre dela e você sentirá tudo de novo, e eu te pergunto: O tempo passou para quem? Se os traumas que sua criança viveu ainda continuam te fazendo chorar, então tá na hora de olhar para ela.
E no exercício de investigar como anda sua criança, talvez você descubra que ela segue ferida, magoada porque não recebeu a aceitação que esperava dos pais, da família, da professora, dos coleguinhas da escola, só porque ser quem ela era assustava demais eles.
O que você faria se encontrasse sua versão criança chorando sozinha hoje? Acolheria ela e diria que vai passar, que ela precisa continuar, mesmo chorando de vez em quando? Ou sentiria pena de si mesmo e, juntos, culpariam o mundo inteiro por tudo o que aconteceu ou deixou de acontecer? Quem é você hoje para que sua criança possa te estender a mão e caminhar do teu lado sem medo de atravessar a rua?
O mundo exige que você cresça, ele demanda demais dos adultos e maltrata a criança dentro deles. Nos coloca em escritórios que mais parecem caixas de sapato com paredes cinzas oito horas por dia, às vezes mais. Diz que você tem que ser sério, carrancudo, agressivo e competitivo, porque os amiguinhos morreram todos no jardim de infância.
Mas eu espero que o adulto que você se tornou seja tão carinhoso, amável e compreensivo quanto seus pais não foram. Espero que ele entenda que não existem culpados, e por isso, não adianta culpar os outros. Mas que ele saiba, que agora que ele conduz a própria vida, é ele quem tem que pegar na mão daquela criança ferida da infância e fazê-la atravessar a rua em segurança.
E do outro lado, já na calçada, colocá-la no colo, beijá-la e abraçá-la muito, porque vocês estão vivos, e quando se está vivo, não importa a situação, há sempre uma possibilidade de mudança, sempre. Enquanto houver vida as coisas sempre irão mudar.
E faz pouco tempo que as coisas mudaram para mim. Voltei a fazer amizade com a minha criança bem aos poucos, fui conquistando sua confiança devagarinho. E demorou algum tempo até ela entender que eu não iria mais gritar com ela.
Tive que escutá-la com toda a atenção do mundo, para lembrar que o que eu gostava mesmo de fazer quando criança, era desenhar, bater papo e escrever antes de dormir.
E hoje eu sinto que já posso comemorar, porque ela já pega na minha mão sozinha e até escreve uns textos longos e faz uns desenhos legais para eles. E sabe o que é mais curioso? Todo mundo jura que sou eu.
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