Nunca mais você, nunca mais eu
Ontem, deitado na cama, prestes a dormir, a frase que serviria de base para este texto me apareceu na mente, depois de eu ter passado uma boa parte da tarde tentando pensar em algo para escrever.
Nem sei dizer o porquê dessa frase em específico “nunca mais você, nunca mais eu”, não sei porque ela agora, porque ela ontem, mas tem alguma coisa aí, tem alguma coisa que precisa ser dita, escrita, digitada e compartilhada. O motivo, talvez eu nunca saiba, talvez você, que lê isso aqui, vai saber. Acredito que para alguém, além de mim, vai servir.
O que sei é que essa frase me trouxe a lembrança de uns meses atrás, uma noite no meu quarto em que eu estava concentrado na leitura de O Mundo de Sofia. Era minha releitura do livro, e dessa vez, muitos dos conceitos de filosofia apresentados pelo autor me tocaram de maneira mais profunda.
Naquele dia, entre as diversas pausas que eu fazia na leitura para refletir sobre o que tinha lido, alguma das ideias dos filósofos clássicos, e não vou me lembrar agora qual delas exatamente, mas alguma coisa ali conduziu o meu pensamento para um lugar novo, e me peguei com uma percepção que ficou ressoando comigo até hoje, e não acredito que vá deixar de ressoar um dia: a ideia de que a pessoa que eu sou, eu sou apenas uma vez, apenas esta vez.
Não sei se como eu, você também já se deu conta disso, mas não como se fosse aquelas mensagens motivacionais que a gente vê no Instagram e pensa “nossa, é isso mesmo, uau!” e depois disso a informação some da tua mente porque você não a põe em prática.
Eu falo de uma percepção mais profunda, como se algo entrasse na sua mente e de repente você começasse a enxergar a vida de um outro jeito, porque se deu conta de que a lente que você usava para olhar através dela, estava suja, daí você foi lá e limpou, e percebeu que antes, você não estava enxergando as coisas como elas realmente são. Sua lente estava um pouco embaçada.
Naquele dia eu percebi que a minha lente vinha embaçada há anos. Há anos me enxergando menor do que realmente sou, há anos me maltratando e me colocando pra baixo. Mas naquele momento, entendi que até o que julgo serem meus defeitos, só estão aqui por enquanto, só por esse momento na minha vida, e eu só serei o personagem Walter, apenas esta vez.
Só desta vez esse corpo, só desta vez essa voz, esse jeito de andar e falar, só desta vez esses medos; só desta vez os meus amigos, minha família, só desta vez a cor dos meus olhos e do meu cabelo; só desta vez os desafios que eu enfrento por tentar ser quem eu sou, dentro da roupa desse personagem que criaram para mim e que eu tento, de toda forma, dar um pouco de originalidade a ele.
Não sei se você acredita em reencarnação, vida após a morte, ou se você não acredita em nada, e se esse for o seu caso, essa reflexão se torna ainda mais importante. Se depois vem o nada, então não seria tudo o que vem antes dele, grande e importante o suficiente a ponto de merecer nossa atenção?
E se você acredita em reencarnação, tente ignorar a ideia das próximas vidas. Se elas realmente existirem, você não será mais quem você é agora, a próxima será sempre a próxima. Não seria mais sensato, então, eu me tratar com um devotado respeito por quem eu sou?
Não te parece uma percepção importante demais? Para mim, parece. Foi como se tivesse me aberto uma janela por onde eu pudesse me enxergar de um novo ângulo.
Naquela noite, senti uma preciosidade por mim mesmo, um desejo de pedir desculpas por todas as vezes em que me negligenciei e me diminuí. Eu não deveria tratar assim um ser que só tem uma oportunidade de estar vivo, uma vez e nunca mais.
E o que é que se faz quando se toma consciência de uma coisa dessas? Porque eu cresci escutando que todo mundo morre, que todo mundo é único e especial, que é preciso se valorizar e se amar. Mas e porquê então eu nunca consegui viver dessa maneira?
E logo eu, que tenho dificuldade com mudanças e fins de ciclos, me peguei pensando que a ideia de que um dia vou deixar Walter para trás é mágica. Porque me faz a cada dia, amar ele um pouquinho mais e ter muito respeito pela história que ele vem construindo.
E eu sei que é fácil escrever essas coisas quando não se está em uma condição que dificulte muito esse processo de auto aceitação. Quando não se tem limitações físicas, sociais ou mentais que façam com que esse processo aconteça de forma mais branda. Mas esse que vos escreve já passou por cada uma delas, talvez diferentes das suas, mas que me geraram o mesmo sentimento de impotência, incapacidade, humilhação, inferioridade, e de profunda tristeza, que talvez você venha sentindo ou já sentiu em algum momento da sua vida.
E eu não sei te dizer se eu seria capaz de sentir o que sinto hoje por mim ou de até mesmo ter tido a percepção que tive no dia em que li aquele livro, se não tivesse passado por cada uma das experiências que passei. Mas se tem alguma coisa que eu possa te dizer, é que mesmo as situações que um dia me impediram de me amar, e as que hoje talvez você passa, até elas, são só dessa vez; assim como a criança que um dia você foi, o adolescente que você foi, os sonhos que um dia você teve, os amigos que você tinha, a família, a forma como você via o mundo; nunca mais.
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