A verdade por trás das coisas

 




Eu poderia escrever que minha mãe comprou um elefante branco, o batizou de White Lotus, levou ele para um sítio e eu vou lá de dois em dois meses caminhar montado no White Lotus, porque eu posso.

Isso é mentira, óbvio. E de tão exagerada que é a mentira, não seria nem preciso eu lhe dizer que é mentira. Mas eu também poderia escrever que essa semana, minha mãe encontrou um gatinho abandonado na rua, enquanto ela voltava da igreja, e o trouxe para casa. E eu que nunca gostei de gatos, agora estou me afeiçoando a ele.

Nada na história do gato é real, embora ela seja bem mais convincente do que a do White Lotus. Você não conhece minha mãe, muito menos sabe que ela frequenta uma igreja, mas tenho certeza que aceitou essas informações como verdade com bem mais facilidade do que a história do elefante.

Uma mentira bem contada é uma mentira simples. Partindo deste ponto, todos os meus textos escritos até hoje, podem ter sido uma grande mentira, e você supostamente acreditou em todas elas.

Mas fique tranquilo, eles não eram mentira. Meu ponto aqui é questionar o que faz a gente acreditar em certas coisas que lemos por aí. E aqui coloco a leitura porque mentir em vídeo exige bem mais esforço e habilidade de convencimento. Coisa que a maioria das pessoas não têm.

Ando lendo um livro que tem mexido comigo, trazendo um ponto de vista sobre a vida e a espiritualidade reveladores para mim. Me peguei questionando certos aspectos da minha vida baseado no que a obra dizia, foi quando me dei conta de que estava tomando como verdade as palavras ali escritas.

E porque eu as estava tomando como verdade? O que havia nelas que me fazia acreditar que expressavam algo tão absoluto ao ponto de me fazer questionar meus valores? Porque eu acredito no que eu acredito? Ou melhor, porque eu acredito no que eu leio?

Penso que tenha algo a ver com a forma como o argumento é construído. Nas explicações que se seguem a ele, na forma como ele é defendido e todo o resto. Na lógica por trás do tema do texto. Mas isso faz sentido em partes. Faz sentido para conteúdos técnicos, ciências, coisas que possam ser comprovadas com a lógica, mas e os outros textos?

Todos aqueles que expressam sentimentos, que falam das coisas que a gente não vê, mas sente. É minha confiança na honestidade do poeta que me faz acreditar nos sentimentos dele, porque não há como provar que foi ele quem escreveu aquilo, e melhor, que ele sentiu aquilo tudo, que não inventou para ganhar alguns créditos com seja lá quem for.

Ou será que existe algo maior e mais forte, que passa do coração de quem escreve direto para a ponta da caneta ou para as teclas do computador, cria a narrativa ideal e, assim, gera o que a gente gosta de chamar de conexão?

É a conexão que faz com que eu aceite de bom grado o que eu leio dos outros artistas sem questionar sua veracidade, é conexão que faz você ler meus textos e aceitá-los de tal forma que alguma coisa em você abra espaço para alguma reflexão proposta neles.

Será que a verdade está na conexão? No fim das contas, talvez não seja tão importante saber se minha mãe realmente frequenta uma igreja, se ela achou ou não um gato abandonado na rua, se eu gosto ou não de gatos. O que importa é a identificação com o sentimento de compaixão por um filhote indefeso e a beleza evocada pela imagem de um coração duro se desmanchando em afeto por causa do amor de um bichano.

Quando leio um texto que me toca em profundidade ou um poema delicado que me emociona, talvez eu esteja vendo bem mais do que palavras e um argumento bem apresentado; talvez eu esteja vendo a impressão digital emocional de quem o criou, a energia registrada no ato da sua criação, o poder de conectar com algo profundo que existe dentro do peito de todos nós, que fala e se prova real o tempo todo, mesmo que eu não tenha provas da sinceridade do sentimento de quem as escreveu.

Porque mesmo que eu visse o autor escrevendo, ainda assim, ele poderia estar fingindo os sentimentos expostos no texto, porque para quem quer, sempre haverá um jeito de enganar. A questão é que existem coisas que a gente só explica sentindo, a verdade é uma delas.

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