Feito água que cai do céu

 



Hoje amanheceu chovendo por aqui. Quando o dia está assim, eu sinto um conforto que o calor não traz. O céu fechado por nuvens carregadas de chuva e o barulho da água caindo, fazem com que eu me conecte com algo que passa distante da efusividade e da empolgação que os dias quentes trazem.

Parece que a chuva nos pede calma, desde a gota que escorre lenta no vidro da janela até o trânsito parado por causa dos esgotos abarrotados de lixo. Quando a chuva chega, ela traz à tona o que vínhamos empurrando para debaixo do tapete.

As pessoas parecem ficar mais tranquilas em dias chuvosos. Alguma coisa no barulho da água e no céu escuro por nuvens de chuva mexe com as nossas emoções e parece nos convidar para o interior de nós mesmos. Pelo menos, é o que eu sinto quando observo a mim e aos outros em dias assim.

Eu gosto quando as pessoas estão mais voltadas para dentro. Gosto de gente profunda, de gente que reconhece o valor da introspecção e sabe que a vida exige seriedade para com os assuntos da alma. E quais são os assuntos da alma? Tudo o que é água.

Tudo aquilo que te faz perder o sono de madrugada; tudo aquilo que, por mais bobo que pareça, ainda te mete medo; aquilo que te preocupa; aquilo que você não consegue expressar através de palavras, mas que grita alto dentro do peito e, quando não bem trabalhado, acaba sendo manifestado no corpo em forma de doença.

Tem alguma coisa na água que cai do céu que mexe com a nossa forma de sentir a vida. Não à toa, a água é o elemento que está relacionado às nossas emoções. O que será que acontece no inconsciente da gente quando vê chuva caindo do céu?

Não me venha com respostas científicas e trabalhos acadêmicos sobre o tema, hoje não quero as certezas da vida material, quero o mistério daquilo que a ciência ainda não consegue explicar.

Meu palpite é que acontece alguma conexão entre a água que cai do céu e a água parada dentro da gente. Um rio de sentimentos mal resolvidos, pronto para transbordar.

Quando eu trabalhava fora de casa, observava que todos os colegas ficavam mais quietos em dias chuvosos. Quase sempre tinha alguém parado em frente a uma janela, vendo a chuva cair; meio que olhando para o nada, meio que olhando para tudo. Como se houvesse um encantamento nos pingos de chuva escorrendo pelo vidro.

Adoro contemplar o céu roxo carregado de nuvens. Ver a chuva se formando no horizonte, ganhando força, ficando cada vez mais forte, me faz lembrar de um poder maior, algo profundo e grande o suficiente para fazer cair água do céu. Não é louco? Cai água do céu! Eu acho isso muito bizarro. A gente se acostuma com cada coisa.

Cai água do céu! Água que se conecta com algo que eu tenho lá dentro do peito, me traz uma lembrança, me faz ficar quieto e calmo, e quando eu menos espero, cai água dos meus olhos. Água também sai dos meus poros quando exercito meu corpo. É tudo água. As nuvens, o mar, o planeta, a emoção que eu e você sentimos.

Dias assim, chuvosos e com pouca luz, me fazem querer aconchegar em algum lugar dentro de mim para tentar escutar o som das correntes de água que correm sem parar. Porque a água tem voz própria, e quando fala, fala das coisas sagradas, que estão no céu, na terra e no ar, e quando a emoção chega, não tem quem segure o fluxo de água que corre de dentro da gente.

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